quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Quando o sofrimento de um filho dói no pai

É indiscutível que os pais queiram o melhor para seus filhos e que queiram oferecer-lhes uma boa condição de vida e situações promotoras de crescimento. Porém, existe o mundo e suas intempéries. Existem pessoas distintas e situações que fogem ao nosso controle. Nestes casos, o que fazer?

Há um momento na vida de nossos filhos em que passarão a viver situações longe dos nossos olhos. Farão escolhas, mesmo que não tenham consciência delas. Viverão aventuras sem serem monitorados por nós. E também, terão experiências desagradáveis.  Nestas ocasiões, quando não souberem o que fazer ou quando sentirem-se tristes e contrariados, recorrerão a nós. Pedirão ajuda, chorarão seus prantos.
Enquanto porto seguro dos filhos, os pais precisam saber ouvir, compreender o que sente aquela criança e o que ela precisa, realmente, naquele momento. Precisam, principalmente, segurar seu impulso de sair correndo para resolver a situação por ela. É comum este pai/mãe reviver situações de sua própria infância sem se dar conta disso, quando vê o filho sofrer. Nestes casos, quando não tem a consciência de ter sido acometido por um sentimento particular e confunde-se com sua criança, o adulto tenta resolver um problema que não é seu, impedindo, assim, que a criança encontre seus próprios recursos para resolvê-lo sozinha.
Saber ouvir um filho não é o mesmo que resolver um problema para ele. Saber ouvi-lo é compreender seus sentimentos para ajudá-lo a pensar em possíveis soluções para seu problema. Ou, muitas vezes, ajudá-lo a enxergar que não há um verdadeiro problema.
Saber ouvir é não se confundir com a criança. É não achar que seu filho está vivendo o mesmo que você viveu em sua própria infância.
Saber ouvir, muitas vezes, é somente acolher o choro, aconchegar a criança e deixá-la simplesmente sentir o que está sentindo. É saber que o sofrimento faz parte da condição humana e que ele também leva ao crescimento.
É preciso acreditar que um filho é capaz de transpor obstáculos. Quando os pais acreditam na capacidade de seus filhos, transmitem isto a eles através de várias atitudes. E o filho, sábio leitor das ações de seus pais, aprende que é capaz.
Assim, quando uma criança consegue transpor um obstáculo, gerador de sofrimento sozinha, ou seja, com seus próprios recursos,  chegará do outro lado mais forte e confiante!
Dri

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Ritmo

Este tema já foi abordado dentro do CLIC! em algumas reuniões, mas os motivos que me fizeram trazê-lo novamente para a reflexão são:  a importância que ele tem em nossas vidas, a facilidade que temos para esquecer de cuidar dele e a facilidade, da vida atual, de imprimirmos um ritmo que não atende verdadeiramente às nossas necessidades.
A vida acelerada que vivemos, o excesso de trabalho, a tentativa de acompanhar a avalanche de informações às quais podemos ter acesso a cada minuto, o trânsito intenso são capazes de nos tirar do nosso eixo e imprimir um ritmo em nossa vida tão acelerado, que não percebemos o distanciamento que vamos tomando de nós mesmos.
E para descansar, o que fazemos? Continuamos a roda viva e participamos de todos os acontecimentos culturais e sociais da cidade. Acreditamos que não podemos perder nada, a fim de evitar o sentimento de ficar para trás dos outros, por fora dos assuntos.
No final do domingo experimentamos o sentimento de não ter tido tempo suficiente para fazer o que gostamos nem para descansar.
Somando-se a isto, há os inúmeros e-mails que temos que ler e responder, os seriados televisivos que não podemos perder, os jogos eletrônicos, as compras e tantas outras coisas que ocupam nosso dia-a-dia.
A vida moderna nos trouxe grandes facilidades, mas trouxe também o distanciamento de nós mesmos. Nosso olhar é sempre desviado para fora do nosso interior. Passamos, sem perceber, a buscar respostas para nossas dúvidas do lado de fora.
Em relação à vida familiar e à educação dos filhos acontece o mesmo. Procuramos nos livros, no comportamento dos vizinhos e de outros colegas de trabalho o que devemos fazer. Nossa referencia passa a ser a mídia, o vizinho e a literatura, geralmente de auto ajuda.
Alem disso, temos sempre a preocupação de preencher o nosso tempo e o das crianças com inúmeras atividades.
E quando piscamos nossos olhos, a família está o dia todo ocupada, com a agenda cheia, sem tempo de convivência. Quando não muito, a convivência oferecida aos pequenos é sempre a pública, social, perdendo-se a íntima, familiar, privada.
Quando chegamos ao ponto de precisar de um terceiro para nos dizer como vai nosso filho, quando olhamos para ele e não conseguimos enxergá-lo é sinal de que estamos longe de nós mesmos e do centro da nossa família.
O que pode nos trazer de volta é o ritmo! Para isto, precisamos rever nossa rotina e incluir nela um tempo para todas as refeições diárias _ café da manhã, lanche, almoço, lanche e jantar _ com boa qualidade. O que significa comer saudavelmente e mastigar a comida sentindo o gosto que tem.  
Dentro da nossa rotina precisa haver tempo para olhar nos olhos dos nossos filhos e ouvi-los. Assim também com o nosso companheiro(a), caso haja um.
A família precisa também, para se nutrir afetivamente, de um tempo onde seus membros estejam juntos partilhando uma boa conversa e/ou brincadeira, sem aparatos eletrônicos, mas de pura convivência e afeto. Sem, inclusive, a companhia dos amigos. Mas precisa também de um momento para estar com estes!
Para se obter um bom ritmo é preciso conseguir respirar, descansar, produzir, rir, ouvir e ser ouvido, relaxar.
O dia é para o trabalho, a brincadeira, a produção, seja ela infantil ou adulta. A noite é para o descanso, a fala mansa, o relaxamento.
Vale uma avaliação individual das próprias escolhas, do ritmo diário e semanal, da qualidade dos relacionamentos que cada um tem conseguido estabelecer. E fazer as alterações necessárias, caso constate que está “fora de ritmo.
Dri

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Lançamento do livro

Neste próximo fim de semana o CLIC! lançará o livro
Meninada, o que a gente vai fazer hoje?

Este livro é fruto do trabalho de um pai zeloso e admirador da proposta pedagógica do Centro Lúdico, o qual presenteou o CLIC! com esta jóia de livro, que traz, através do relato de vários educadores e de suas observações,            o dia-a-dia deste espaço ímpar, fundado em 1996 e hoje dirigido por Letícia Fonseca e Carol Brasil.
O CLIC! tem dois valores (dentre vários outros) que gostaria de ressaltar: a parceria entre família e escola e seu caráter aberto, ou seja, é uma escola clara, límpida, desarmada. Não há, em seu dia-a-dia, nada que não possa ser do conhecimento das famílias que confiam seus filhos àquelas pessoas.
Em 2009, o CLIC! teve a honra de ser presenteado com a proposta de Carlos de escrever sobre sua história, a fim de mostrar, às pessoas interessadas, um pouco deste trabalho único, realizado em um espaço tão privilegiado. Nesta oportunidade, estes dois valores  citados contribuíram para o resultado que vocês poderão conferir na deliciosa leitura deste livro  que conta ao leitor sobre a simplicidade, a alegria, a cumplicidade, o envolvimento, o afeto, a alegria de viver e o respeito à infância. Além de poderem se deliciar com as fotografias!
Da parceria entre família e escola nasce o crescimento de todos os envolvidos, a cumplicidade com a educação das crianças e o envolvimento com a proposta pedagógica da instituição.
O caráter de abertura da escola permite esta parceria, promove a confiança e estreita os laços afetivos.
Esta é uma parceria que o CLIC! faz questão de firmar e, mais que isto, conta com ela. Conta com o olhar crítico das famílias para sua prática, conta com as inúmeras contribuições dadas por pais e familiares participativos, conta com a avaliação que as próprias crianças dão do trabalho realizado, através de seus comentários, suas conclusões, do brilho em seus olhos e seu desenvolvimento integral.
Parabéns, Carlos e toda comunidade CLIC! pela realização deste trabalho!
Dri

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A sedução da tecnologia

A tecnologia é muito sedutora. Levando-se em conta o nosso dia-a-dia, ela resolve problemas, atende às necessidades da vida moderna, traz o mundo para perto das pessoas, e possui uma infinidade de outras qualidades que poderiam ser citadas.
Hoje pude ver uma menininha, de aproximadamente 3 anos, “mexer” em um computador. A intimidade com a máquina era grande - como a maioria das crianças atuais - e acredito que era capaz de jogar vários tipos de jogos.
Para descobrir como jogar um jogo, não necessitava ler as instruções nem tão pouco pedir ajuda a um adulto. Usava a máquina com sua inteligência sensório-motora _  o estágio mais primitivo da nossa inteligência (assim também fazemos nós, adultos, diante de uma máquina desconhecida. Experimente!) e podia guiar-se pelos símbolos que aprendeu através desta interação.
Porém, para andar, para se sentar e nas manifestações de cansaço, não possuía tantas habilidades quanto para interagir com a máquina.
Na era da tecnologia, costumamos ouvir que as crianças já nascem conhecendo os botões e isto seduz muito o adulto. Principalmente aquele que vem de um tempo no qual computadores modernos eram considerados coisa do futuro.
Estes adultos são facilmente seduzidos pela intimidade com que suas crianças interagem com computadores, iPodes, iPhones, celulares e outros aparatos tecnológicos e acabam confundindo o desejo da sua criança interior com o desejo de seu filho(a) de 2, 3, 4, 5 anos, presenteando-os, então, com jogos eletrônicos.
É preciso uma certa crítica para avaliar a verdadeira necessidade de um presente como estes, quando dado a crianças muito pequenas. Não que o uso das tecnologias não seja recomendado, indicado ou aprovado para determinada faixa etária. O que quero colocar em discussão é a real necessidade da criança.
Do que crianças entre 1 a 3 anos necessitam? E as de 4 a 6? Já têm boa coordenação motora? Sabem se expressar  facilmente? Dormem quando têm sono e pedem para comer quando têm fome? Conseguem inventar suas próprias brincadeiras sem depender dos adultos o tempo todo? Sabem pular corda, andar de bicicleta, pular amarelinha? Este tipo de brincadeira, por mais simples que pareça, ajuda a criança a formar sua consciência corporal, desenvolve sua coordenação motora e contribui para a formação da base do pensamento lógico matemático. Sem contar com o fato de que tais brincadeiras promovem a socialização e a internalização de regras. Ou seja, estas simples brincadeiras contribuem para o desenvolvimento físico, social, afetivo e psíquico das crianças.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Relações Sociais

Hoje estava observando crianças entre 5 e 17 anos brincarem juntas. Brincaram de esconde-esconde, de fazer moldes de roupa de boneca, de carrinho, de piorra, de desenhar, entre outros. Havia menino entre meninas, com diferença de idade grande. Do mais novo ao mais velho, todos se divertiam! Curiosamente, não houve brigas. Talvez pelo fato de os mais velhos cederem aos mais novos ou também por saberem administrar melhor os relacionamentos e as brincadeiras.
O fato é que fiquei pensando na importância da convivência social sadia, respeitosa, promotora da troca e do crescimento individual. As crianças que observava não estavam sendo monitoradas por nenhum adulto. Eu era uma observadora quase invisível. Acho, inclusive, que elas se esqueceram de que eu as observava. Na verdade, as admirava! Estavam felizes, riso solto, tinham todo o tempo do mundo para suas brincadeiras. Não se lembraram da TV nem dos jogos individuais. São crianças acostumadas a se relacionar. A resolver problemas, a encontrar caminhos, a criar, a agregar.
Vivemos um tempo de relacionamentos superficiais, efêmeros. Somos de uma geração acostumada com tudo instantâneo e individual: mudar o canal da TV com controle remoto, ter mais de uma TV em casa, comer comida rápida, jogar jogos eletrônicos, subir de elevador, andar de carro, enviar emails e receber a resposta rapidamente, possuir lap top, telefone celular, pesquisar no Google, dentre tantas outras atividades que nos transformam em pessoas impacientes e individualistas.
No nosso tempo, as crianças são monitoradas por adultos quando bem pequenas e pela televisão e pelo computador quando um pouco maiores. Não as incentivamos a conviver com outras crianças, impedimos que se frustrem e que  sofram. Impedimos que tenham conflitos, damos-lhe de tudo para que “não fiquem para trás” e ensinamos-lhe a consumir demasiadamente.
Adotamos, na educação de nossos filhos, um caminho que leva ao individualismo, à intolerância e à inabilidade para conviver socialmente.
O grupo de crianças que eu tive o prazer de observar hoje achava caminhos democráticos para suas diferenças e dificuldades. Coisa rara hoje em dia!
Como as conhecia, fiquei pensando na história de vida de cada uma delas. Desde cedo acostumadas a conviver com outras crianças, incentivadas a criar suas próprias brincadeiras, permitidas a usar sua criatividade em várias situações. Enfim, crianças preservadas em sua infância.
O grupo social promove o crescimento individual de cada sujeito que o compõe, através da própria convivência e suas dificuldades. As crianças são capazes de buscar caminhos para os desafios que encontram, quando incentivadas a isto. Também são inteiramente capazes de inventar brincadeiras,  sem que tenhamos que preencher seu tempo livre com atividades e entretenimentos o tempo todo.
O resultado de uma infância simples, regada por amigos e brincadeiras da cultura infantil, pela convivência social genuína entre pares não pode ser outro que não o desenvolvimento de indivíduos íntegros, criativos, conhecedores de si mesmos, capazes de serem sujeitos de sua própria história!
Dri

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Reflexões sobre o dia das mães



E para não perder o costume de falar sobre o consumismo, que tal uma reflexão
sobre o dia das mães?

Que este dia foi uma invenção do comércio, todo mundo sabe! Que caímos na
tentação de presentear, com coisas materiais de bom gosto, bonitas, de boa
qualidade também é sabido. Mas não seria esta uma inversão de valores?
Quando vamos às compras, em busca do melhor presente para esta data
comemorativa estamos realmente buscando o quê? E nós, mães, o que esperamos ganhar de nossos filhos e maridos?

Como será que a criança gostaria e poderia expressar seu amor pela mãe que tem não fosse a necessidade de responder à pergunta mais recorrente desta data: “o que você vai dar para sua mãe no dia das mães?”
A criança, em sua sabedoria e simplicidade, tenho certeza de que se lembraria de um programa gostoso que fez em família e poderia sugeri-lo; talvez fizesse um desenho, desse um beijo gostoso e um abraço bem apertado e quisesse aproveitar, por um tempo maior, o cheirinho e o calor de sua mãe, só porque dissemos a ela que aquele era o dia das mães! Ou quem sabe poderia sugerir sua brincadeira preferida, acreditando que agradaria à mãe em oferecer a ela algo que lhe dá (à criança) tanto prazer?

Qual é o melhor presente que gostaríamos de ganhar neste dia que nos
homenageia? Um abraço? O reconhecimento pelos nossos esforços infindáveis de exercer, da melhor forma, nossa função? Uma roupa que não tivemos coragem de comprar? Um sapo especial? Um tratamento estético ou de beleza, pois afinal, mães também merecem continuar sendo mulheres bonitas e desejáveis?

Qual presente aquece nosso coração, alimenta a alma e nos faz realmente
felizes? Qual o presente poderia homenagear esta parte de nós, mulheres, que
diz respeito à maternidade? Do que realmente precisamos e o que estamos
procurando?

Todos dizem que mãe ama incondicionalmente. Dizem também que no coração de mãe cabem todos os filhos; que a coisa mais importante no mundo para uma mãe é seu filho; que mãe é mãe (não importa o que isto signifique!). Escuto com freqüência, quando um filho passa por um problema grave, pessoas dizendo: “coitada da mãe dele!”

Afinal, o que definiria a mãe atual? Como ela poderia ser homenageada? Será que podemos defini-la a partir daquilo que sua família pensou para ela? Está embutido no presente dado, dentre outras coisas, o modo como os filhos enxergam suas mães?

São apenas perguntas... pode-se perder tempo refletindo sobre elas ou não! E
para colocar um pouquinho do cheiro do quintal do CLIC neste próximo domingo, que tal comemorar o dia das mãe com um pic nic; um café da manhã surpresa, preparado por pais e filhos para despertar a mamãe; brincadeiras gostosas em família; banho de mangueira também em família; pintar a mãe em uma tela grande e colocar na parede da sala de surpresa! Idéias não consumistas, que priorizam o afeto, não faltam! E as crianças podem contribuir muito com isto!

Feliz dia das mães!

Adriana Di Mambro

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

2º Festival de brincadeiras de rua


CLIC! e Casa Idéia advertem: cotovelos e joelhos ralados ajudam a manter adultos sadios e alegres!














Só para não variar, nós da equipe CLIC! e da Casa Idéia fomos para a rua brincar. Fomos ocupar o lugar dos carros, com uma nova proposta para que, naquele dia, as pessoas pudessem experimentar uma outra forma de ocupação do espaço público, ou melhor, pudessem recordar uma nova "velha" idéia.

Fomos ocupar o espaço das bicicletas, dos skates, dos patins, do "bate-papo", da "conversa de comadres", convidando a todos para brincar coletivamente. Aos domingos, em Belo Horizonte, a Secretaria Municipal do Esporte interdita a Avenida Bandeirantes com o intuito de promover novas formas de ocupação da rua, que não sejam os carros, pois estes já o fazem durante a semana. Fomos, o grupo de brincantes do CLIC! - que consiste em educadores que são, que desejam ser e que já foram da equipe e se recusam a deixar a mesma - juntamente com a equipe da Casa Idéia, então, ocupar este espaço cedido pela prefeitura, com as brincadeiras de rua. O quarteirão fechado da avenida, em frente a praça JK, foi totalmente tomado por cordas, bolas, peões, elásticos, amarelinhas e o melhor por brincantes, de 0 a 100 anos. Havia pouco espaço para atividades mais individuais como andar de bicicleta, patins ou as caminhadas que, dominicalmente, preenchem este espaço. As "brincadeiras que não se brinca mais hoje em dia" tomaram conta do coração das pessoas, mesmo embaixo do sol quente que também não deixou de marcar presença.

Quando programamos o 1º Festival CLIC! de Brincadeiras de Rua, em 2009, nosso objetivo era simples e direto: vamos para a rua brincar. Sabíamos que não iríamos promover um evento para brincadeira de criança, era um espaço para promover a brincadeira de todas as idades. Não existia, nos nossos planos, a idéia de monitorar crianças, de servir ao público infantil ou de ensinar brincadeiras nunca dantes vistas. Queríamos ir para a rua brincar de verdade, promover relações verdadeiras e sinceras entre brincantes, jogar bola com vontade de ganhar, pular corda até as pernas não aguentarem mais, brigar na fila do elástico...
Bom, neste segundo ano, dessa vez de mãos dadas com a Casa Idéia, não foi diferente. Estávamos lá porque queríamos, estávamos porque acreditamos na verdadeira brincadeira. Enquanto pesquisadores do mundo da criança, nós educadores, sabemos que a brincadeira é essencial para a formação de um adulto mentalmente saudável, sabemos que a criança experimenta o mundo e, consequentemente, o conhece através da brincadeira, enfim, sabemos de mais uma série de razões práticas, já estudadas, para defender o brincar na vida da criança. Por isso, o adulto tem a obrigação de proporcionar para a criança o espaço para brincar, defende o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente. Contudo, a sociedade se esquece, frequentemente, de uma questão primordial: o brincar pressupõe uma relação verdadeira entre seres humanos, pressupõe a transmissão cultural do saber do mais velho para o mais novo, pressupõe o afastamento do mundo da seriedade adulta, no qual precisamos produzir, para irmos a um mundo no qual não somos peças do sistema, um mundo mentalmente saudável.
Diante dessa reflexão, o único caminho que conhecíamos para resgatar o prazer e a magia do brincar nas pessoas da nossa comunidade, era a brincadeira de rua, que alguns de nós conhece bem, pois ela ainda existiu e existe em algumas infâncias. A brincadeira de rua não tem regras, a lei é a da maioria, não tem hierarquia baseada no poder econômico ou social - são exigidos de todos muitos recursos para convivermos e tolerância para estarmos com diversos tipos de pessoas, a rua é de todos! A brincadeira de rua é difícil, não é em qualquer brincadeira que se pode entrar tendo qualquer idade, exige esforço, controle do corpo, exige que se suporte uma frustração atrás da outra, exige desejo. Treinamos muito para pular corda, para correr mais do que o outro, para respirar baixo quando se está escondido, para jogar a pedra na casa certa da amarelinha e para, apesar de tanto esforço, muitas vezes perdermos, levantarmos e tentarmos novamente. A brincadeira de rua, assim, exibe e escancara, para crianças e adultos, suas dificuldades, suas limitações. Será esse o motivo de seu desaparecimento? Talvez seja mais fácil brincar sozinho ou não brincar para que não se corra riscos, não se rale os joelhos, para que a criança não chore.
Penso que muitos adultos não saibam mais brincar. Talvez sejam excepcionais cuidadores: pais e professores que lêem, estudam, discutem e refletem sobre a melhor educação para as crianças. Mas o quê podemos ensinar, de quem podemos cuidar e o quê as crianças lêem nos nossos atos quando não brincamos verdadeiramente com elas? Como acessar uma parte dentro de nós que seja menos racional, menos objetiva, menos ocupada e com mais tempo e mais magia, para então termos acesso ao mundo das crianças? Como acordarmos o menino, o moleque, para segurar a mão do adulto que balança, seguindo os conselhos de Chico Buarque?
Bom, nós educadores-brincantes, decidimos não permitir que a brincadeira desapareça. Decidimos provocar a reflexão sobre o quanto a brincadeira é desvalorizada, quando não a levamos a sério. Sabemos bem que só nos aproximamos do mundo da criança e produzimos com elas relações afetivas verdadeiras porque brincamos com muita dedicação e seriedade, porque enfretamos nossas limitações e descobrimos diariamente, a magia do brincar, a beleza do mundo do jogo, a alegria de estarmos junto com a meninada. Ensinamos a suportar as frustrações, suportando perder, ensinamos a cair e levantar, fazendo o mesmo, ensinamos a cuidar das feridas e a rir dos joelhos ralados com nossos joelhos no chão, ensinamos a valorizar as brincadeiras da nossa cultura indo para a rua brincar! Enfim, enquanto brincamos, aprendemos: a desviar das boladas da vida, a desejarmos conquistar algo como a bola ou a bandeira e, por isso, nos esforçarmos além dos nossos limites, a cantar junto no mesmo ritmo, a pular na velocidade da corda, e a assumir que jogar peão de corda é dificílimo e que nunca deixaremos de tentar!
Até o 3º Festival de Brincadeiras de Rua 2011!
Letícia