quinta-feira, 7 de outubro de 2010

2º Festival de brincadeiras de rua


CLIC! e Casa Idéia advertem: cotovelos e joelhos ralados ajudam a manter adultos sadios e alegres!














Só para não variar, nós da equipe CLIC! e da Casa Idéia fomos para a rua brincar. Fomos ocupar o lugar dos carros, com uma nova proposta para que, naquele dia, as pessoas pudessem experimentar uma outra forma de ocupação do espaço público, ou melhor, pudessem recordar uma nova "velha" idéia.

Fomos ocupar o espaço das bicicletas, dos skates, dos patins, do "bate-papo", da "conversa de comadres", convidando a todos para brincar coletivamente. Aos domingos, em Belo Horizonte, a Secretaria Municipal do Esporte interdita a Avenida Bandeirantes com o intuito de promover novas formas de ocupação da rua, que não sejam os carros, pois estes já o fazem durante a semana. Fomos, o grupo de brincantes do CLIC! - que consiste em educadores que são, que desejam ser e que já foram da equipe e se recusam a deixar a mesma - juntamente com a equipe da Casa Idéia, então, ocupar este espaço cedido pela prefeitura, com as brincadeiras de rua. O quarteirão fechado da avenida, em frente a praça JK, foi totalmente tomado por cordas, bolas, peões, elásticos, amarelinhas e o melhor por brincantes, de 0 a 100 anos. Havia pouco espaço para atividades mais individuais como andar de bicicleta, patins ou as caminhadas que, dominicalmente, preenchem este espaço. As "brincadeiras que não se brinca mais hoje em dia" tomaram conta do coração das pessoas, mesmo embaixo do sol quente que também não deixou de marcar presença.

Quando programamos o 1º Festival CLIC! de Brincadeiras de Rua, em 2009, nosso objetivo era simples e direto: vamos para a rua brincar. Sabíamos que não iríamos promover um evento para brincadeira de criança, era um espaço para promover a brincadeira de todas as idades. Não existia, nos nossos planos, a idéia de monitorar crianças, de servir ao público infantil ou de ensinar brincadeiras nunca dantes vistas. Queríamos ir para a rua brincar de verdade, promover relações verdadeiras e sinceras entre brincantes, jogar bola com vontade de ganhar, pular corda até as pernas não aguentarem mais, brigar na fila do elástico...
Bom, neste segundo ano, dessa vez de mãos dadas com a Casa Idéia, não foi diferente. Estávamos lá porque queríamos, estávamos porque acreditamos na verdadeira brincadeira. Enquanto pesquisadores do mundo da criança, nós educadores, sabemos que a brincadeira é essencial para a formação de um adulto mentalmente saudável, sabemos que a criança experimenta o mundo e, consequentemente, o conhece através da brincadeira, enfim, sabemos de mais uma série de razões práticas, já estudadas, para defender o brincar na vida da criança. Por isso, o adulto tem a obrigação de proporcionar para a criança o espaço para brincar, defende o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente. Contudo, a sociedade se esquece, frequentemente, de uma questão primordial: o brincar pressupõe uma relação verdadeira entre seres humanos, pressupõe a transmissão cultural do saber do mais velho para o mais novo, pressupõe o afastamento do mundo da seriedade adulta, no qual precisamos produzir, para irmos a um mundo no qual não somos peças do sistema, um mundo mentalmente saudável.
Diante dessa reflexão, o único caminho que conhecíamos para resgatar o prazer e a magia do brincar nas pessoas da nossa comunidade, era a brincadeira de rua, que alguns de nós conhece bem, pois ela ainda existiu e existe em algumas infâncias. A brincadeira de rua não tem regras, a lei é a da maioria, não tem hierarquia baseada no poder econômico ou social - são exigidos de todos muitos recursos para convivermos e tolerância para estarmos com diversos tipos de pessoas, a rua é de todos! A brincadeira de rua é difícil, não é em qualquer brincadeira que se pode entrar tendo qualquer idade, exige esforço, controle do corpo, exige que se suporte uma frustração atrás da outra, exige desejo. Treinamos muito para pular corda, para correr mais do que o outro, para respirar baixo quando se está escondido, para jogar a pedra na casa certa da amarelinha e para, apesar de tanto esforço, muitas vezes perdermos, levantarmos e tentarmos novamente. A brincadeira de rua, assim, exibe e escancara, para crianças e adultos, suas dificuldades, suas limitações. Será esse o motivo de seu desaparecimento? Talvez seja mais fácil brincar sozinho ou não brincar para que não se corra riscos, não se rale os joelhos, para que a criança não chore.
Penso que muitos adultos não saibam mais brincar. Talvez sejam excepcionais cuidadores: pais e professores que lêem, estudam, discutem e refletem sobre a melhor educação para as crianças. Mas o quê podemos ensinar, de quem podemos cuidar e o quê as crianças lêem nos nossos atos quando não brincamos verdadeiramente com elas? Como acessar uma parte dentro de nós que seja menos racional, menos objetiva, menos ocupada e com mais tempo e mais magia, para então termos acesso ao mundo das crianças? Como acordarmos o menino, o moleque, para segurar a mão do adulto que balança, seguindo os conselhos de Chico Buarque?
Bom, nós educadores-brincantes, decidimos não permitir que a brincadeira desapareça. Decidimos provocar a reflexão sobre o quanto a brincadeira é desvalorizada, quando não a levamos a sério. Sabemos bem que só nos aproximamos do mundo da criança e produzimos com elas relações afetivas verdadeiras porque brincamos com muita dedicação e seriedade, porque enfretamos nossas limitações e descobrimos diariamente, a magia do brincar, a beleza do mundo do jogo, a alegria de estarmos junto com a meninada. Ensinamos a suportar as frustrações, suportando perder, ensinamos a cair e levantar, fazendo o mesmo, ensinamos a cuidar das feridas e a rir dos joelhos ralados com nossos joelhos no chão, ensinamos a valorizar as brincadeiras da nossa cultura indo para a rua brincar! Enfim, enquanto brincamos, aprendemos: a desviar das boladas da vida, a desejarmos conquistar algo como a bola ou a bandeira e, por isso, nos esforçarmos além dos nossos limites, a cantar junto no mesmo ritmo, a pular na velocidade da corda, e a assumir que jogar peão de corda é dificílimo e que nunca deixaremos de tentar!
Até o 3º Festival de Brincadeiras de Rua 2011!
Letícia