quinta-feira, 7 de outubro de 2010

2º Festival de brincadeiras de rua


CLIC! e Casa Idéia advertem: cotovelos e joelhos ralados ajudam a manter adultos sadios e alegres!














Só para não variar, nós da equipe CLIC! e da Casa Idéia fomos para a rua brincar. Fomos ocupar o lugar dos carros, com uma nova proposta para que, naquele dia, as pessoas pudessem experimentar uma outra forma de ocupação do espaço público, ou melhor, pudessem recordar uma nova "velha" idéia.

Fomos ocupar o espaço das bicicletas, dos skates, dos patins, do "bate-papo", da "conversa de comadres", convidando a todos para brincar coletivamente. Aos domingos, em Belo Horizonte, a Secretaria Municipal do Esporte interdita a Avenida Bandeirantes com o intuito de promover novas formas de ocupação da rua, que não sejam os carros, pois estes já o fazem durante a semana. Fomos, o grupo de brincantes do CLIC! - que consiste em educadores que são, que desejam ser e que já foram da equipe e se recusam a deixar a mesma - juntamente com a equipe da Casa Idéia, então, ocupar este espaço cedido pela prefeitura, com as brincadeiras de rua. O quarteirão fechado da avenida, em frente a praça JK, foi totalmente tomado por cordas, bolas, peões, elásticos, amarelinhas e o melhor por brincantes, de 0 a 100 anos. Havia pouco espaço para atividades mais individuais como andar de bicicleta, patins ou as caminhadas que, dominicalmente, preenchem este espaço. As "brincadeiras que não se brinca mais hoje em dia" tomaram conta do coração das pessoas, mesmo embaixo do sol quente que também não deixou de marcar presença.

Quando programamos o 1º Festival CLIC! de Brincadeiras de Rua, em 2009, nosso objetivo era simples e direto: vamos para a rua brincar. Sabíamos que não iríamos promover um evento para brincadeira de criança, era um espaço para promover a brincadeira de todas as idades. Não existia, nos nossos planos, a idéia de monitorar crianças, de servir ao público infantil ou de ensinar brincadeiras nunca dantes vistas. Queríamos ir para a rua brincar de verdade, promover relações verdadeiras e sinceras entre brincantes, jogar bola com vontade de ganhar, pular corda até as pernas não aguentarem mais, brigar na fila do elástico...
Bom, neste segundo ano, dessa vez de mãos dadas com a Casa Idéia, não foi diferente. Estávamos lá porque queríamos, estávamos porque acreditamos na verdadeira brincadeira. Enquanto pesquisadores do mundo da criança, nós educadores, sabemos que a brincadeira é essencial para a formação de um adulto mentalmente saudável, sabemos que a criança experimenta o mundo e, consequentemente, o conhece através da brincadeira, enfim, sabemos de mais uma série de razões práticas, já estudadas, para defender o brincar na vida da criança. Por isso, o adulto tem a obrigação de proporcionar para a criança o espaço para brincar, defende o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente. Contudo, a sociedade se esquece, frequentemente, de uma questão primordial: o brincar pressupõe uma relação verdadeira entre seres humanos, pressupõe a transmissão cultural do saber do mais velho para o mais novo, pressupõe o afastamento do mundo da seriedade adulta, no qual precisamos produzir, para irmos a um mundo no qual não somos peças do sistema, um mundo mentalmente saudável.
Diante dessa reflexão, o único caminho que conhecíamos para resgatar o prazer e a magia do brincar nas pessoas da nossa comunidade, era a brincadeira de rua, que alguns de nós conhece bem, pois ela ainda existiu e existe em algumas infâncias. A brincadeira de rua não tem regras, a lei é a da maioria, não tem hierarquia baseada no poder econômico ou social - são exigidos de todos muitos recursos para convivermos e tolerância para estarmos com diversos tipos de pessoas, a rua é de todos! A brincadeira de rua é difícil, não é em qualquer brincadeira que se pode entrar tendo qualquer idade, exige esforço, controle do corpo, exige que se suporte uma frustração atrás da outra, exige desejo. Treinamos muito para pular corda, para correr mais do que o outro, para respirar baixo quando se está escondido, para jogar a pedra na casa certa da amarelinha e para, apesar de tanto esforço, muitas vezes perdermos, levantarmos e tentarmos novamente. A brincadeira de rua, assim, exibe e escancara, para crianças e adultos, suas dificuldades, suas limitações. Será esse o motivo de seu desaparecimento? Talvez seja mais fácil brincar sozinho ou não brincar para que não se corra riscos, não se rale os joelhos, para que a criança não chore.
Penso que muitos adultos não saibam mais brincar. Talvez sejam excepcionais cuidadores: pais e professores que lêem, estudam, discutem e refletem sobre a melhor educação para as crianças. Mas o quê podemos ensinar, de quem podemos cuidar e o quê as crianças lêem nos nossos atos quando não brincamos verdadeiramente com elas? Como acessar uma parte dentro de nós que seja menos racional, menos objetiva, menos ocupada e com mais tempo e mais magia, para então termos acesso ao mundo das crianças? Como acordarmos o menino, o moleque, para segurar a mão do adulto que balança, seguindo os conselhos de Chico Buarque?
Bom, nós educadores-brincantes, decidimos não permitir que a brincadeira desapareça. Decidimos provocar a reflexão sobre o quanto a brincadeira é desvalorizada, quando não a levamos a sério. Sabemos bem que só nos aproximamos do mundo da criança e produzimos com elas relações afetivas verdadeiras porque brincamos com muita dedicação e seriedade, porque enfretamos nossas limitações e descobrimos diariamente, a magia do brincar, a beleza do mundo do jogo, a alegria de estarmos junto com a meninada. Ensinamos a suportar as frustrações, suportando perder, ensinamos a cair e levantar, fazendo o mesmo, ensinamos a cuidar das feridas e a rir dos joelhos ralados com nossos joelhos no chão, ensinamos a valorizar as brincadeiras da nossa cultura indo para a rua brincar! Enfim, enquanto brincamos, aprendemos: a desviar das boladas da vida, a desejarmos conquistar algo como a bola ou a bandeira e, por isso, nos esforçarmos além dos nossos limites, a cantar junto no mesmo ritmo, a pular na velocidade da corda, e a assumir que jogar peão de corda é dificílimo e que nunca deixaremos de tentar!
Até o 3º Festival de Brincadeiras de Rua 2011!
Letícia


quarta-feira, 21 de julho de 2010

Festa Junina

O Tema da festa junina deste ano foi a Festa do Boi maranhense. A meninada pesquisou por dois meses, trabalhou bastante e o resultado foi maravilhoso. A cada ano a meninada nos surpreende: como são capazes de produzir uma festa tão rica culturalmente com: teatro, música, dança, exposição de arte! As famílias também nos ajudaram bastante! Estamos deixando algumas fotos feitas pela Jane - mãe do Bê do grupo II.


















Confiram a releitura que a meninada construiu da história do Boi:
Auto do Boi Maranhense

Em um lugarejo muito, muito distante daqui, lá pelas bandas do Maranhão, havia uma bonita fazenda, cheia de animais e plantas. A fazenda era do Amo que tinha um amor especial por um de seus bichos. Esse bicho era um boi, um lindo boi brincalhão de couro preto que dava alegria para a fazenda. O Boi era tão querido que o amo elegeu um vaqueiro especialmente para protegê-lo, o primeiro vaqueiro.

“Guarnece, guarnece
Agora eu quero ver
Meninada a hora é essa
Eu vou cantar pra guarnecer”

Essa fazenda era o local de muitas festas da região e o boizinho especial do Amo a maior atração. Ele dançava, pulava, brincava, sua alegria era contagiante. A cada ano o boizinho ganhava novas roupas, sempre lindas e enfeitadas.

Um certo dia, chega a essa fazenda um casal de retirantes , o Pai Francisco e a Catirina barrigudona de nove meses. Eles se encantaram pelo boizinho, que estava muito lindo e enfeitado. Então, perguntam para o Amo o preço daquele boi, pois se interessavam em comprá-lo. O Amo se assustou e, em tom de sobressalto, informou que o boizinho não estava à venda, pois ele era a alegria da fazenda. E a festa continua...

“Dona da Casa que o terreiro alumio
Dona da Casa que o terreiro alumio
Varre o terreiro, meu boi chegou
Varre o terreiro meu boi chegou.”

O pai Francisco e a Catirina continuaram por ali, admirando o boi quando, de repente, a Catirina se lembrou de um sonho. Ela tinha sonhado com aquele boi e nesse sonho ela comia a língua do boizinho. Quando, eles contam essa história para o Amo, ele se assustou mais ainda e ofereceu outra comida da fazenda para satisfazer aquela mulher grávida e salvar seu mais querido boizinho.

“Meu boi chegô, lá na beira do cerrado
Meu boi chego, lá na beira do cerrado
Abre a porteira maninha, pra vê meu boi encantado
Abre a porteira, maninha pra vê meu boi encantado.”

A festa continuou e as pessoas da fazenda em dançavam , cantavam e tocavam matracas. De repente o Amo percebeu que faltava a alegria da festa. Seu boi tinha desaparecido. E pra piorar, ninguém daquela gente toda da fazenda sabia pra onde o boi tinha ido...

Desolado e desesperado o Amo chamou seu primeiro vaqueiro e perguntou, em um tom ameaçador, onde estava seu querido boi. O vaqueiro se apertou todo, pois também se concentrou em dançar, cantar e numa bonita senhorita que passara por ali, se esquecendo do boizinho.

O Amo, sobressaltado, percebeu que aquele casalzinho de retirantes que estavam de olho no boi também tinha desaparecido. Logo, logo ele desconfiou que Pai Francisco e Catirina tinham roubado seu amado boi.

“Vaqueiro, reúna seu batalhão”.
Vá buscar o touro mais bonito da nação
Que nasceu lá na Bahia e até hoje não voltou
Foi o Pai Francisco que passou e que levou
Foi o Pai Francisco que passou e que levou.”

O vaqueiro, muito valente, saiu com seu bando matagal adentro, em busca do boi. Pouco tempo depois, eles voltaram apavorados, dizendo que lá na mata tinha uma onça... e, lá pelas bandas do Maranhão, vaqueiro tem muito medo de onça.

“Eu vi uma onça gemê
Na mata do arvoredo
Eu vi uma onça geme
Na mata do arvoredo
Olêlê São João, me valha São Pedro
De onça eu tenho medo...”

O Amo, então, já descabelado de preocupação com seu boi, perguntou se alguém da fazenda tinha alguma idéia de quem poderia enfrentar a mata e trazer seu boizinho precioso de volta. Os vaqueiros deram a idéia de pedir ajuda aos índios.

“Diretor dos índios
Tu és brasileiro
Dá uma volta nas aldeia
E trás o índio guerreiro
Pra prendê o marreteiro.”

Os índios, conhecedores de matas fechadas, encontraram o boi doente sendo cuidado pelo Cazumbá. O Cazumbá, com sua máscara horripilante, sua anca enorme e seu tilintar característico, levou o boizinho, fraquinho e adoecido para a fazenda. A tribo indígena trouxe os culpados pela façanha, Pai Francisco e Catirina, bem presos. Cazumbá, nervoso com o ocorrido, repousou o boizinho no chão e, como não gosta de gente (só de bicho) assustou as pessoas da fazenda.

A festa perdeu sua alegria, sua música e sua dança e, todos condoídos pelo boi, se calaram. O Amo, por sua vez, desesperado como nunca, perguntou numa altura de doer os tímpanos, quem poderia salvar seu querido e amado boi.
Mais rápido do que ambulância chegou o Doutô de Boi. Ele examinou, auscultou o coração, tentou medir a temperatura, mas não conseguiu nem descobrir qual era a doença do pequeno novilho.

Mais descabelado do que nunca, o Amo perguntou se alguém tinha mais alguma solução para salvar a alegria da fazenda, o querido boizinho. Então, surgiu uma nova idéia, chamar o pajé da tribo, um curandeiro muito renomado da região. O pajé, rápido como só ele, apareceu como que num passe de mágica. Ele rezou, utilizou umas ervas, fumou seu cachimbo e não conseguiu curar o boi, mas descobriu a origem do problema: o boi estava sem língua. O Amo já estava quase tendo um ataque cardíaco, quando surgiu a idéia de chamar um elemento surpresa para salvar o boi... Quem será? Será que o boi conseguirá ser salvo e a alegria voltará a reinar na fazenda?

“Adeus morena
Para o ano se Deus quiser
Eu quero bordar teu nome
Na ponta do meu chapéu

Tem a barra de lamê
Tem as pontas muito finas
Tem um couro tão bonito
Quem bordô foi a menina.”

Tudo o quê nasce, morre e se recria eternamente...

terça-feira, 25 de maio de 2010

Simples, sim!

Há algum tempo atrás, um amigo meu, pai zeloso e dedicado, em uma conversa sobre a felicidade e o cansaço que a paternidade imprime na vida de alguém, disse que havia encontrado o negócio perfeito para atender pais e filhos: montar um "scoth-baby". Seria uma espécie de bar que funcionaria 24 horas servindo aos pais, ávidos por um momento social, um uisquinho ou um chope, enquanto seus filhos brincariam em outro espaço cuidados por monitores dedicados.

Outro dia, vi um ramister dentro de uma casinha super colorida, cheia de tubulações de plástico transparente, com subidas e descidas que incentivavam o bichinho a se exercitar e, quem sabe, ter a impressão de não estar preso.
Não pude deixar de relacionar a tal casinha aos espaços oferecidos às crianças pequenas nos bufês de festa infantil e nos centros de compras. Nem de lembrar, com pesar, de meu amigo que pensava ter encontrado o negócio de ouro.

Mal sabia ele, pai recente, que a indústria do consumo já tinha se antecipado e criado “scoth-babies” no mundo inteiro. Aparentemente nada poderia parecer estranho. Tais espaços se dizem apropriados para a infância, pois oferecem recreação e encontro entre crianças de uma mesma faixa etária, enquanto os pais podem recrear e se encontrar com pessoas da mesma da mesma idade, garantindo assim diversão para todos.

Um olhar mais atento aponta para as falhas dessa concepção de diversão. São pequenos mundo artificiais, que distanciam a criança dela mesma, que roubam-lhe a riqueza da criação e da imaginação e da construção. Experiências rápidas. Excesso de cores, de plástico, de música. Crianças correndo de um lado para outro sem tempo para elaborar as experiências vividas. Excitação que quase se pode pesar. Brinquedos giratórios que rodopiam até que a criança perca a noção de onde está o próprio nariz. Encontros que não se efetivam. Relações que não se estabelecem. Nesses ambientes a criança é “olhada” por um estranho que a conduz para experiências velozes, sem orientá-la. Enquanto os pais podem cuidar de si mesmos garantindo um momento de sossego junto aos amigos.

Perdemos a noção da simplicidade. Perdemos o hábito da reflexão, da quietude meditativa. A contemporaneidade imprimiu em nós um ritmo acelerado e é difícil percebermos o que estamos deixando de herança para nossos filhos. A criança é simples e precisa de tempo para conhecer mundo. Precisa que o adulto conduza com braços fortes e afetuosos pelos caminhos da cultura.
Precisamos devolver para nossas crianças a capacidade de sonhar, de desejar o impossível, de criar, de errar, de viver momentos de ócio, como aqueles em que Narizinho elaborava todas as aventuras do Sítio do Pica Pau Amarelo.
Luciana Borges
Coordenadora do CLIC!

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Intervalo entre nascimentos



Texto extraído do livro “Points Forts” do Dr. T.Berry Brazelton.
Traduzido para o CLIC por Anna M.M.Gontijo.

No decorrer das visitas de rotina, em certos estágios do desenvolvimento da criança, posso esperar uma pergunta: “Qual é o momento mais favorável para uma nova gravidez?” Estes períodos correspondem às primeiras manifestações de independência da criança. Depois do período inicial de adaptação ao bebê, e uma vez terminados os primeiros meses de noites em claro e de dias sem horário, os jovens pais começam a viver dentro de uma pura euforia de amor. Cada vez que olham seu bebê de quatro meses, este lhes sorri com adoração. Uma vocalização por parte dos pais provoca um suspiro de emoção no bebê. O bebê se enrosca em todos os sentidos para tentar se comunicar com seus pais totalmente devotados e onipresentes. Raros são os momentos da vida que possuem tanto charme quanto estes minutos de recíproca atenção com uma criança que se comunica e se exprime através de balbucios. Os pais se sentem competentes, controlam perfeitamente seu próprio mundo. Mas é difícil ficar mergulhado de corpo e alma num grande amor sem sentir o medo latente de que cedo ou tarde haverá um fim. Nesta nossa sociedade calvinista, estamos marcados pela consciência de dever pagar um dia ou outro pelos nossos prazeres.

Considerando a possibilidade de um segundo filho

Como que sobre comando, as mães de crianças de cinco meses me dizem: “Agora, ele cresceu, quando deveria me decidir a ter um outro?” A hesitação em renunciar ao absoluto para o primeiro bebê está contida no “deveria eu”, que indica uma espécie de dever ou de penitência – o preço a pagar por um tão delicioso amor. Se olharmos para o bebê, a questão parece chegar inesperadamente em um momento impróprio. Ele é roliço, doce e cheio de covinhas. Deitado sobre a mesa de exame, observa com atenção a sala, uma expressão séria no rosto enquanto passa em revista cada objeto novo. Não passa um minuto sem que lance um olhar sobre sua mãe ou seu pai que, debruçados sobre a mesa perto dele, conversam comigo. Quando ele olha para seus pais, estes o olham por sua vez, com um ar tranquilizador. Então o rosto do bebê se alegra, seus olhos adoçam, e ele sorri com gratidão, gesticulando com os braços e pernas, agradecendo-lhes com todo seu corpo. Em seguida retorna ao seu trabalho de informação sobre tudo que há neste lugar estranho. Os pais voltam ao seu trabalho de comunicação comigo.

Durante este momento, fui testemunha de um exemplo da profundidade deste apego mútuo. Cada um deles sentiu uma baforada de afeição, e cada um reconheceu no mais profundo de si a importância da presença do outro. O bebê disse com seus olhos: “ Vocês são a minha âncora, minha tábua de salvação, e eu só posso me permitir ficar num lugar tão estranho e excitante como este porque posso vê-los, porque sei que vocês estão aqui!” Os pais tiveram a oportunidade de sentir a profundidade de sua importância para este novo pequeno ser. Não é espantoso que neste exato momento um dos presentes pergunte: “E se nós tivéssemos um outro bebê? O que o Sr. pensa disto?” Ou ainda, que uma mãe que amamenta diga: “Quando devo desmamá-lo?” Se eu abordo francamente a questão com os pais, torna-se rapidamente evidente que eles ainda não desejam um outro bebê e que a mãe não deseja verdadeiramente parar de amamentar. Mas suas perguntas os ajudam a se resguardar de um excesso, no seu amor, no modo de se ocupar desta criança e a trazer para dentro dos limites da razão um apego que os ultrapassa.

Como vimos no cap. 6, o bebê de quatro ou cinco meses manifesta suas primeiras veleidades de independência. Ele interrompe cada vez mais suas refeições – para olhar em torno de si, para escutar o barulho de uma porta que se fecha, para fazer pequenos balbucios em intenção de sua mãe ou para dar sorrisos luminosos para seu pai. Para a mãe, é sinal de que o bebê não tem mais tanta necessidade dela. Para o bebê, este comportamento demonstra uma tomada de consciência das coisas e das pessoas que o cercam. Para os pais totalmente ocupados com seu bebê, é uma lembrança do que deve acontecer, de um futuro em que a criança vai efetivamente tornar-se independente deles.

Para as mães que amamentam, é também um período de vulnerabilidade física no domínio da concepção. Já vi muitos casos de uma segunda gravidez não prevista acontecer neste momento, a mãe pensando que estava protegida pela lactação, e sendo incapaz de conhecer o momento de sua ovulação antes da volta da menstruação. Se a mãe não toma precauções, ela pode engravidar antes de estar preparada para se separar um pouco do primeiro bebê.
Ter duas crianças com menos de quatorze a dezoito meses de diferença é o mesmo que ter gêmeos de idades um pouco diferentes. Certamente podemos educá-los com sucesso, e mesmo ter momentos de prazer, mas isto representa um trabalho difícil enquanto eles são pequenos. Duas crianças de idades diferentes, ambos altamente dependentes, exigem muito no plano físico e emocional. O perigo, para os bebês, é que uma mãe exausta tenderá a fazer as coisas de um modo global. Ela poderá ou bem tratá-los como se tivessem a mesma idade, ou empurrar o mais velho a crescer muito rápido. Efetivamente, quando o mais velho manifesta sua oposição agindo exatamente como o bebê, a mãe, contrariada pelas exigências às quais está submetida, é levada a colocar muita responsabilidade sobre o mais velho.

Ao considerar a possibilidade de ter uma segunda criança, os pais deveriam tentar levar em consideração seu nível de energia e de tolerância. Suas próprias razões de aproximar ou não os nascimentos podem ser as melhores. Uma mãe, que deseja constituir rapidamente sua família para retomar o trabalho, arrisca ficar infeliz se ela se sente obrigada a ficar muito tempo em casa e de faz seus parentes “pagarem” por isto. Os pais que pensam ter necessidade de tempo entre cada criança para assegurar sua posição financeira, podem também se sentir incapazes de assumir a responsabilidade de mais de uma criança de cada vez. O problema, para a maioria dos pais, é que eles não se dão conta do potencial de resistência e de tolerância de que eles dispõem.

Alguns conselhos sobre o planejamento dos nascimentos

Segundo minha própria experiência, existem algumas linhas diretrizes que podem ajudar as famílias jovens que tentam programar as coisas inteligentemente.

Inicialmente, preveja que será difícil renunciar às intensas relações, mutuamente gratificantes, que vocês têm com seu primogênito. É tão difícil para o bebê quanto para os pais. Se vocês se derem o tempo de sentir que verdadeiramente fizeram tudo que lhes era possível por ele, as coisas se tornam mais fáceis. Em outras palavras, se vocês têm a impressão de que se consagraram verdadeira e inteiramente ao seu primeiro bebê e que ele adquiriu uma sólida independência, será mais fácil “compartilhá-lo” com o seguinte. O recém-nascido vai inevitavelmente exigir tempo e energia no plano emocional. Quase inevitavelmente, a mãe vai incentivar o mais velho a crescer rapidamente no momento do nascimento do segundo. Nas culturas tradicionais, encontramos freqüentemente um ritual, associado à servidão do mais velho, quando a mãe espera uma outra criança. Esta última dá abertamente a responsabilidade do mais velho a um outro membro da família – avó, tia ou criança mais velha. Através deste gesto simbólico, ela diz: “Agora, eu devo virar as costas para você para poder me consagrar ao novo bebê”. Embora seja freqüentemente efetuado de um modo brusco, vi com meus próprios olhos a angústia que a mãe reprime no momento em que renuncia a seu filho. Mas, sabendo-se de suas pesadas responsabilidades, ela sabe que deve se forçar a “virar as costas” sob pena de não ter suficiente energia para se ocupar de um novo bebê.

Uma outra coisa a ser levada em consideração, prevendo uma segunda criança, é o período de manifestação normal, mas intensa, de independência e de oposição da criança que começa a andar. No início do segundo ano de vida, uma criança tem necessidade de tempo para fazer suas coisas. Ela quer verdadeiramente se tornar independente? Ela quer dizer “não” quando o repete com tanta força, ou quereria ela na realidade dizer “sim”? depois de um ataque de raiva terrível, que a deixa ofegante, que, exceto seus pais, pode ajudá-la a encontrar seus limites, e que pode lhe dar novamente a energia para continuar a procurar seus meios de se tornar uma pessoa independente?

Se os pais não estão disponíveis e não compreendem que esta luta pela independência é apaixonante e importante, eles vão – assim como seu bebê – sentir stress e frustração durante todo o segundo ano de vida do bebê. Antes de ver neste ano um período rico em ensinamentos e experiências, eles podem perder o senso de humor do qual eles teriam muita necessidade para retroceder um pouco. O ideal, então, seria que os pais programassem ter um segundo bebê depois que as perturbações deste segundo ano estejam em parte acalmadas.

Os pais que pensam espaçar os nascimentos de seus filhos de dois anos e meio a três anos se perguntam se as crianças não estariam muito distantes para se tornarem amigas quando forem um pouco maiores. Minha experiência pessoal me deu o sentimento de que, se os pais estão satisfeitos com a diferença de idade, as crianças serão mais amigas. Se os pais ficam estressados por ter crianças com idades muito próximas, estas passarão a maior parte de sua infância a sentir ciúmes um do outro e a se rivalizar. Pois, como o vimos no cap. 36 sobre a rivalidade entre irmãos e irmãs, estas brigas são dirigidas aos pais. As crianças são ciumentas, é inevitável, e resolvem seus problemas de compensação sozinhas se os pais não se intrometem. Assim que os pais têm a impressão de que não são eqüitativos, eles se envolvem e os sentimentos de ciúmes são reforçados. Em outras palavras, valeria mais à pena planejar os nascimentos não para agradar às crianças, mas para levando em consideração o potencial de energia dos pais.

Como ajudar seu filho a se adaptar a um bebê

Por volta dos dois anos dois anos e meio, a maioria das crianças está fundamentalmente independente. A mobilidade foi adquirida, as brincadeiras são variadas e podem se desenrolar com toda a liberdade, as crianças devem ter adquirido hábitos de autonomia no domínio da alimentação e do sono, e muitos deles começam a querer deixar as fraldas. Além do mais, por volta dos dois anos, as crianças estão prontas para brincar em grupo com outras crianças da mesma idade. Estas ocasiões de brincadeiras em grupo podem ser para elas o “ponto alto” de sua semana. Nos grupos elas se ensinam mutuamente mil coisas, se permitem suas tensões e experimentam seus comportamentos de oposição, o que prova bem a que ponto as crianças da mesma idade estão disponíveis umas para as outras. Isto significa que os pais podem organizar seções de jogos regulares com a ajuda de outros pais, ou que podem sem medo, colocar suas crianças em uma creche ou escola. Isto será proveitoso tanto para a criança quanto para os pais que ficarão então disponíveis para um novo bebê. Espaçar as crianças de dois ou três anos pode então ser voltado em favor do bem estar de cada um dos membros da família.

Por volta dos quatro ou cinco anos, a criança pode estar pronta para participar dos cuidados com o bebê. Uma criança mais velha pode ter o sentimento de que o bebê lhe pertence. Ela é capaz de aprender a alimentá-lo, a segurá-lo e o embalar, a trocá-lo, a consolá-lo e a brincar com ele. Uma vez que a criança tenha se dado conta de que o bebê não tem a sua idade e não pode participar de suas brincadeiras, como tinha esperado, e que tenha superado sua decepção, ela pode se associar a seus pais no jogo que consiste em descobrir o recém-nascido, a observar cada um de seus progressos.

Eu me lembro de uma criança de cinco anos que entrou em meu consultório exclamando: “Dr. B., você tem de ver meu bebê andar! Ele não cai mais de jeito nenhum!” Com estas palavras ele se precipitou para seu irmãozinho de onze meses e lhe estendeu a mão. Este deu um enorme sorriso diante desta atenção por parte de seu herói. Tomou sua mão com prontidão e reconhecimento para se por de pé. Quase sem hesitação, firmemente agarrado ao braço de seu irmão mais velho, atravessou a sala cambaleando. Retardando o passo para conduzir seu irmãozinho, o menino maior não cabia em si de alegria: “Olhe, olhe!” Contemplando este charmoso exemplo de um primogênito que não apenas ensinava a um bebê a andar, mas ainda lhe transmitia a paixão de aprender, eu pensava em mim mesmo: não seria esta uma oportunidade para o caçula abordar assim o lado apaixonante da vida? Estes irmãos se instruíam mutuamente, mas descobriam também o que significa ser profundamente dependente um do outro.

Aos quatro e cinco anos, a criança está naturalmente pronta para se ocupar do irmão menor e para lhe ensinar o que já sabe. Margaret Mead me disse um dia que uma das mais sérias faltas de nossa cultura é que as crianças entre quatro e sete anos raramente têm a oportunidade de se ocupar de crianças menores que elas. Ela me fez notar que, na maior parte das outras culturas do mundo, os irmãos mais velhos são responsáveis pelos mais novos. Deste modo aprendem a arte da maternidade e ficam mais bem preparados quando chegar sua hora de serem pais.

Uma distância de muitos anos entre crianças propicia automaticamente este gênero de experiência ao mais velho. Quanto ao caçula, a possibilidade de seguir o exemplo de seu irmão mais velho é uma verdadeira sorte. Nosso filho caçula aprendeu a maioria de suas aptidões, inclusive o senso de seus próprios valores, a partir do ensinamento atento e paciente de suas irmãs mais velhas. A avidez dos mais novos para aprender o que sabem os mais velhos repousa sobre uma espécie de adoração cega. A situação é completamente diferente, muito mais pesada, quando são os pais que ensinam as mesmas coisas. Sempre fiquei tocado pelo olhar ardente, apaixonado com o qual os bebês ou crianças novas observam uma mais velha. E fico estupefato ao constatar a rapidez com a qual uma criança imita a mais velha quando esta pára um instante para lhe mostrar como se faz alguma coisa nova.

Quando você espera um bebê, prepare o mais velho para as modificações que sua relação com ele vai sofrer: intrusão, separação. Deixe-o participar de sua gravidez, e dê a ele sem demora a oportunidade de se identificar com você enquanto responsável pelo bebê. No lugar de o afastar para “proteger o bebê”, ensine a ele a ser terno e suave, diga-lhe como segurá-lo, como embalá-lo e como alimentar o bebê.

Depois que o recém-nascido está em casa e que muitas coisas vão exigir seu tempo e sua energia, faça de modo a reservar um momento de conversa a sós com seu filho mais velho, longe do bebê. Cada “grande” merece que sua mãe e seu pai lhes consagrem um pouco de tempo em particular. A duração destes momentos importa menos do que o fato, para a criança, de poder contar com este tempo e de ter uma conversa a sós com seus pais. Uma hora por semana, por criança e para cada pai, pode representar um verdadeiro tesouro para o futuro de suas relações. Eu insisto no fato de que esta hora é inteiramente para a criança sozinha, e que ela deve decidir como empregá-la. É preciso falar com ela também durante o resto da semana – “Eu não tenho tempo agora, porque devo terminar de alimentar o bebê, mas lembre-se de que nós teremos nosso momento só nosso mais tarde. E então eu serei só sua, (sem o bebê) porque você é meu primeiro bebê e eu te amo, é claro.”

Afirmar a individualidade das crianças

Uma outra questão pode perturbá-los, se vocês têm mais de uma criança, é de se darem conta de que não experimentam os mesmos sentimentos diante de cada criança. Sem o desejar, os pais talvez tenham uma atitude protetora com relação ao bebê e empurrem o mais velho a crescer. Algumas vezes fazem pressão sobre uma filha para que seja responsável, ou sobre um filho para que seja arrojado. Eles podem sonhar coisas diferentes para cada um deles. Estes sentimentos os contrariam; eles se sentem culpados. Penso que estão errados. Os pais não devem se esperar ter os mesmos sentimentos para cada um dos filhos. Efetivamente, cada um provocará fatalmente em vocês reações diferentes que são provenientes de experiências passadas inconscientes. “Ela é exatamente como minha irmã que é tão brilhante”, ou: “É uma força da natureza, como meu irmão”, são reações normais. Se as reconhecemos honestamente, elas podem mesmo ser de proveito para a criança. Mas se são camufladas, todo desvio destas imagens vai causar uma decepção aos pais e perturbar a criança. Qualquer que seja a diferença de idade, grande ou pequena, quaisquer que sejam as diferenças de caráter, as crianças merecem ser consideradas como seres competentes e dignos de amor.

Alimentação e seus problemas


Extraído do livro “Points Forts” do Dr. T. Berry Brazelton
Traduzido para o CLIC por Anna Maria Mourão Gontijo

Desde o primeiro momento em que a mãe serra seu recém-nascido contra o seio, ela sabe instintivamente que as mensagens de amor que acompanham a “refeição” são tão importantes para o bem estar do bebê quanto o próprio alimento. Ela tem razão. Sem estas mensagens, o alimento não é suficiente para estimular o desenvolvimento afetivo nem mesmo psíquico.

Nossos hábitos alimentares

Existe uma síndrome que chamamos “Síndrome de Definhamento”; os bebês atingidos ficam enrugados, raquíticos e têm o mesmo peso aos oito meses que quando nasceram. Estes bebês podem ter sido suficientemente alimentados, mas faltou-lhes comunicação afetiva. Quando chegam ao hospital, seu rosto é desesperadamente inerte, seus olhos são embaciados, sem brilho, e evitam olhar as pessoas que cuidam deles, são incapazes de se comunicar. Eles recusam todo contato humano, como se isto fosse doloroso para eles. Por causa desta falta de tratamento maternal, o alimento que eles engolem, passa através dos intestinos sem ser digerido. A partir do momento em que uma pessoa afetuosa consegue mostrar a estas crianças que eles podem olhar um rosto caloroso, que eles podem se deixar embalar, abraçar, que podem escutar cantigas cantaroladas para eles, no momento das refeições, param de se arquear e de desviar os olhos. Começam então a ganhar peso e se desenvolver normalmente. Tornam-se então bebês felizes e confiantes. Estas crianças são casos extremos, mas provam que as refeições devem ser acompanhar de mensagens de amor para que respondam às necessidades do bebê. Se o alimento é de uma importância evidente para sobreviver, a qualidade da vida futura do bebê depende também do tratamento maternal dado pelos pais durante as refeições.
Todos os pais gostam que seu bebê tenha prazer em comer, mas talvez eles mesmos tenham seus próprios bloqueios neste campo. As experiências alimentares são impressas em nós a partir da infância. Todos nós temos vivido situações que influenciam nosso comportamento em momentos tão importantes como as refeições. Nossas reações não são conscientemente questionadas, elas estão alicerçadas em velhos esquemas: “Você não sairá da mesa antes de comer seus legumes. Você não crescerá se não tomar leite.” Estes enunciados podem ter tido uma parte de verdade há cinqüenta anos atrás; hoje não têm mais nenhum valor. Com uma cota de vitaminas apropriadas, nenhum legume é vital para a saúde da criança. Os espinafres que faziam o Popeye tão forte não passam de um mito, o mais empoeirado de todos os que atravessaram o tempo. Muitos outros ainda dominam nosso comportamento. Nós nos criamos problemas inúteis, unicamente porque temos uma idéia muito elevada de nossa responsabilidade. Claro, temos a tendência de fazer mais do que o necessário no domínio da alimentação de nossos filhos. Nós continuamos a crer que o trabalho de uma “boa mãe” é fazer seu bebê comer.

Desde que se dão conta do menor problema de alimentação em seus filhos, os pais se vêem face a face com seus próprios “fantasmas”. Eles devem admitir que isto faz parte do desejo de ser um bom pai. Se conseguem se lembrar de suas próprias experiências, evitarão repeti-las. Forçar uma criança a comer é o modo mais seguro de se criar um problema. Se quisermos que a refeição seja um prazer para a criança, é preciso deixar o controle com ela – quanto às escolhas, as recusas, de parar quando ela o desejar.

Pela sua verdadeira natureza, a alimentação é um domínio no qual os pais e o bebê podem resolver os perpétuos conflitos entre dependência (ser alimentado) e independência (se alimentar). Nenhum outro domínio do desenvolvimento é tão sensível a estas oposições. A independência deve ganhar. O modo como as refeições se desenrolam pode mesmo determinar a maneira como uma criança, em crescimento, poderá desenvolver a imagem que tem de si mesma, imagem de uma pessoa competente, aberta, alegre. Poder se expressar no momento das refeições é tão importante para seu desenvolvimento quanto o número de calorias que absorve. Mas isto é difícil de imaginar para pais amorosos. É preciso tentar fazer de cada refeição uma experiência profundamente satisfatória, para que, quando for mais velha, a criança possa saber que alimentar a si mesma produz o mesmo prazer.

A questão do aleitamento pode ser visto sob este prisma. O aleitamento constitui em princípio uma experiência calorosa, íntima, para a mãe e para o bebê. Sabendo-se que o leite materno é perfeitamente adaptado para o bebê – no plano nutritivo, digestivo, alergênico, e como proteção natural contra as infecções – cada mãe deve encará-lo como sendo a melhor escolha. Contudo, se por uma razão ou outra, o aleitamento não convêm à mãe ou se ele se transforma em uma experiência desagradável para o bebê ou para a própria mãe, estas reações devem ser levadas muito a sério. Com efeito, os sentimentos da mãe são transmitidos à criança. Um bebê a quem damos a mamadeira com amor e estreitando-o (jamais o instale para que tome, sozinho, sua mamadeira) se comportará super bem. No início, o bebê deve fixar ele mesmo o horário. No momento em que vocês, seus pais, tentam compreendê-lo, vale mais seguir suas exigências, e aprender pouco a pouco que choro significa que está com fome, e qual quer dizer que está fatigado e aborrecido. No início e no fim de uma crise, é sempre preferível recomeçar a alimentar conforme a demanda. Contudo, desde que você saiba bem aquilo de que o bebê tem necessidade, é possível levá-lo a adotar um horário mais rigoroso. Cada um dos membros da família ficará aliviado de poder contar com horários fixos para as refeições, o sono e o lazer. Por volta das seis semanas, um bebê nascido no tempo certo deve começar a se regular, e as refeições deveriam ser dadas mais ou menos a cada quatro horas. Por volta das doze semanas, ele deveria se contentar com cinco refeições por dia, em horários fixos. Por volta de vinte semanas, a maioria dos bebês necessita apenas de quatro refeições, às 7 horas, meio-dia, 17 horas e 22 horas; em torno de seis, sete meses, refeições (com alimentos sólidos) às 7 horas, meio-dia, 17 horas e leite às 19 horas, e depois a caminho da noite.

Do ponto de vista nutricional, os bebês na realidade não têm necessidade de alimentos sólidos antes dos seis meses. De fato eles não aprendem a os mastigar antes de três meses. Antes desta idade, eles os absorvem como se estivessem mamando. Contudo, por volta dos quatro ou cinco meses, muitos bebês têm necessidade de alimentos sólidos para conseguirem dormir toda a noite ou esperar um tempo maior entre as refeições do dia. Se o seu bebê chegou a esperar quatro horas entre duas refeições, e a dormir 8 horas por noite, e depois volta a exigir alimento a intervalos mais curtos, aconselho você a introduzir alimentação sólida. Apenas o leite não vai mais satisfazer suas necessidades.

Por volta dos oito meses, o bebê estará pronto para utilizar um novo e apaixonante instrumento, a pinça formada pelo polegar e o indicador. Se você der a ele dois ou três pedaços de um alimento bem tenro assentando-o – para que ele os pegue com os dedos, se suje bem com eles, os esmague e finalmente os coloque na boca – você verá que ele ficará absolutamente maravilhado. Ele pode tentar mastigar esses pedaços durante uma hora, porque está tão feliz por segurar com sua mão seu alimento...Ele deixará mesmo que você coloque colheradas de alimento amassado em sua boca enquanto está absorvido em sua nova performance. De fato, se você não a deixa começar a se alimentar sozinha por volta do final de seu primeiro ano de vida, você arrisca criar um problema durante o segundo ano. Com um ano, ele balançará a cabeça, boca fechada, cuspindo o alimento – para dizer muito claramente “Eu quero tornar-me independente comendo sozinho”.

Com um ano o bebê deve então poder se virar sozinho com alimentos cortados em pequenos pedaços. Alimentos tenros que ele possa mastigar com suas gengivas e que poderão ser engolidos facilmente. Mas se são pedaços muito grandes ou muito duros, ele pode sufocar, logo, assegure-se da consistência dos alimentos. É a idade em que o bebê vai começar a recusar alguns alimentos – um mês os legumes, no mês seguinte a carne, depois os ovos. Novamente ele demonstra que tem necessidade de dominar a situação, de poder decidir o que deseja comer. Se você o deixa escolher e recusar durante o segundo ano, você tem todas as chances de evitar os problemas de alimentação. Mas isto significa que não é você quem comanda. É ele que se alimenta. Ele não vai poder se servir de um garfo ou de uma colher antes dos seis meses, ele deve então ser livre para escolher entre os alimentos cortados em pedaços. Dê a ele o que você come, exceto o que é muito duro. Se ele não quiser e insistir em outra coisa, diga-lhe simplesmente: “Você terá isto na próxima refeição”, e não o force a comer aquilo que ele não quer.

As refeições das crianças pequenas são cheias de recusas, oposições, de provocações, tudo isto para tentar encontrar seus limites. No domínio alimentar, claro, ela desejará sempre aquilo que você não preparou. Não se deixe apanhar – é o jogo que conta, e não o que ela tem no prato. Se você deseja se atormentar, entre no seu jogo. Mas será mais fácil se você fixar limites bem estritos com antecedência. Você poderá dizer: “eis o que nós temos para comer. Se você que manteiga de amendoim, eu te darei na próxima refeição”. Ele não a comerá se você lhe der, de qualquer modo...
Os pais suportam mais facilmente estas refeições caprichosas quando se dão conta de que as necessidades nutricionais de uma criança desta idade são muito simples de serem satisfeitas. Existem apenas quatro imperativos:
1. Meio litro de leite ou equivalente (cento e vinte gramas de queijo, ou meio litro de yogurte, etc.)
2. Sessenta gramas de carne ou um ovo. Se a criança os recusa, você pode bater um ovo no seu leite. Ou lhe dar um comprimido de ferro para cobrir suas necessidades.
3. Trinta gramas de suco de laranja ou um pedaço de fruta fresca – para a vitamina C.
4. Comprimidos de multivitaminas que substituirão tudo aquilo que os legumes lhe teriam trazido durante este período de recusas.
Muitos bebês não gostam de legumes durante seu segundo ano de vida. Sua mãe ou sua sogra podem insistir que você não é uma boa mãe se seu filho não tem um “regime equilibrado” com legumes verdes. Eu vi poucas crianças de um ano que os aceitavam – e vi centenas que os recusavam e que se desenvolveram bem a despeito da total falta de legumes em sua alimentação durante mais ou menos um ano. Talvez uma geração de crianças que nós não forçamos a comer legumes vai acabar os exigindo em todas as refeições!
Por volta dos quatro ou cinco anos, se você não fez das refeições um momento de luta sistemática, a criança vai começar a tentar novos alimentos, e a aceitar o famoso “regime bem equilibrado”. Mas sobre o plano nutricional nem sempre é importante – os quatro elementos de base que mencionei acima serão suficientes para suas necessidades durante a primeira infância.
Quanto às boas maneiras à mesa, esqueça-as até os três ou quatro anos. A criança aprenderá tendo você como modelo. Ela não aprenderá nada se você lhe diz sem parar: “Faça isso. Faça aquilo”. Contudo, eu não a deixaria jogar ou estragar não importa que quantidade de alimento sem lhe impor limites estritos. Se a criança recusa sistematicamente, eu lhe daria apenas dois pedaços de cada vez. Se ela se põe a esmagá-los na mesa ou a jogá-los ao redor de si interrompa a refeição. Tire a criança da mesa. Mas não lhe dê guloseimas entre as refeições se você quer que ela aprenda tudo o que se refere a limites.... As guloseimas e os lanches são para as crianças de quatro a cinco anos que já aprenderam a controlar as três refeições do dia.
Os pais orgulhosos de seus talentos culinários – e aqueles que tiveram filhos antes dos trinta a– freqüentemente têm mais dificuldades em suportar que seus pratos sejam recusados. Se você pensa que isto pode vexá-lo ou que você arrisca reagir com muita paixão, valeria mais a pena neutralizar a situação. Se à criança não faltam os elementos indispensáveis enumerados acima, diga-lhe que ela deverá esperar a próxima refeição. Explique claramente que ela sempre poderá recusar o que você lhe propõe, mas que não pode escolher o que quiser em seu lugar. E lembre a ela que você sabe muito bem qual é o seu jogo.

Alimentação e independência
Algumas crianças mais novas parecem ter tendência a “explodir” literalmente – elas se empanturram de manteiga de amendoim ou de alguma outra coisa, durante duas semanas por exemplo. Estes excessos não vão fazer mal a uma criança bem nutrida. Mas podem trair outros problemas: oposição, identificação com amigos, desejo de ver se podem manipular sua família durante as refeições. Tudo isto é comum. Deixe-a ter seu modo de ser pessoal e, se possível, ajude-a a compreender porque ela age assim. E depois espere que fique cansada deste alimento.
Não se apresse para encontrar algum produto para o substituir. Se você o fizer, ela encontrará outra coisa para exigir.

Excesso, hesitações, recusa de certos alimentos, e outras mudanças alimentares são fases absolutamente normais no desenvolvimento de uma criança. Ela tem necessidade de afirmar sua independência diante de sua alimentação. Necessita encontrar sua identidade dentro da família, fazer suas próprias escolhas, e testar os limites de sua tolerância. As refeições serão muito mais agradáveis se você for capaz de compreender e respeitar isto. Mas se você não pode, e se (como muitos de nós) você faz parte dos pais que abandonam ou que ao contrário se enervam diante de uma criança que não come, você pode esperar faíscas às refeições. Seus encorajamentos inteligentes, suas alternativas saborosas, suas chantagens, seus compromissos, poderão fazer de modo que as refeições sejam absorvidas durante algum tempo. O inconveniente é que tudo isto não lhe assegura resultados duradouros, nem que você não terá inevitáveis problemas de alimentação. Alimentar-se sozinho é uma atividade preciosa e apaixonante para uma criança, e deve ser um domínio no qual ela possa exercer sua autonomia. Senão, a refeição torna-se novamente o campo de uma batalha que a criança acaba sempre ganhando – de um modo ou de outro.

Sabendo-se isto, se a sua criança se opõe às exigências indispensáveis que eu sublinhei durante um período de vários meses, talvez seja o momento de procurar ajuda. Se ela não engorda e se seu peso cai abaixo da média, é tempo de buscar um conselho de fora. Seu médico pode indicar ou encontrar a ajuda apropriada, junto a um psicopedagogo, um psiquiatra infantil ou um psicólogo. Como todo problema de origem psíquica afeta o apetite, o médico começará por examinar a criança. Se a criança não tem nenhum problema médico, um terapeuta poderá compreender o que se passa com ela e ajudará a ambos, pais e filho, a superar a própria parte dos pais do problema. Não se desespere, mas não espere muito tempo.

(Foto: Pablo Quaglia)

terça-feira, 20 de abril de 2010

Crianças brincando sob o olhar do educador

Vejo crianças brincando todos os dias e não me canso. A maneira como elas se entregam ao ato de brincar é algo maravilhoso! Precisamos aprender a nos entregar às brincadeiras como elas fazem.

No dia-a-dia aqui do CLIC! as crianças brincam muito com os adultos e também sozinhas. Nestas brincadeiras espontâneas podemos observar como reproduzem tudo que aprendem em suas vidas: as regras sociais nas brincadeiras simbólicas (mamãe e filhinho, supermercado, pet shop, etc.), compreender e seguir regras em geral nas diversas brincadeiras folclóricas que acontecem no quintal do CLIC! (mar vermelho, pic amoeba, peixinho e tubarão, etc.), equilíbrio, leis da física, noção espacial, dentre tantas outras aprendizagens que acontecem durante o balanço de corda, no escorregador, no trepa-trepa, nas árvores! As aprendizagens são tantas que mal podemos relacioná-las. Mas o que avalio que mais aprendem é sobre si mesmas: como se relacionar, como se colocar diante de um grupo de crianças da mesma idade, mais novas... ou mais velhas...até mesmo como se impor frente a um adulto, com respeito. Todas estas coisas, sob certo aspecto simples e sob outros, complexos e profundos, as crianças do CLIC! aprendem brincando.

Por outro lado, no momento do ato de brincar acontece um grande respeito do educador por aquilo que as crianças produzem. Ele está ali, observando, com todos os seus sentidos, o que se passa no universo infantil, conhecendo cada criança através daquilo que produz em sua brincadeira. Certamente é tentado a participar, pedir para entrar na brincadeira, mas muitas vezes se contém, por entender que a criança precisa também deste tempo livre para criar e produzir o seu brincar. Na maioria das vezes, quando imersas em seu mundo fantástico, elas não percebem sua presença. Mas ele está ali. Caso precisem de sua ajuda, aparece como um anjo no momento oportuno. Oferece algum recurso material ou mesmo seu olhar carinhoso e acolhedor. Outras vezes é preciso oferecer um abraço a quem se machucou ou mesmo um gelinho, remédio para qualquer machucado. E a brincadeira continua. Livre, leve e solta! Solta como uma pipa que voa no ar, mas sob o cuidado atento de quem a empina.

Dri
(Foto: Pablo Quaglia)