quinta-feira, 29 de abril de 2010

Alimentação e seus problemas


Extraído do livro “Points Forts” do Dr. T. Berry Brazelton
Traduzido para o CLIC por Anna Maria Mourão Gontijo

Desde o primeiro momento em que a mãe serra seu recém-nascido contra o seio, ela sabe instintivamente que as mensagens de amor que acompanham a “refeição” são tão importantes para o bem estar do bebê quanto o próprio alimento. Ela tem razão. Sem estas mensagens, o alimento não é suficiente para estimular o desenvolvimento afetivo nem mesmo psíquico.

Nossos hábitos alimentares

Existe uma síndrome que chamamos “Síndrome de Definhamento”; os bebês atingidos ficam enrugados, raquíticos e têm o mesmo peso aos oito meses que quando nasceram. Estes bebês podem ter sido suficientemente alimentados, mas faltou-lhes comunicação afetiva. Quando chegam ao hospital, seu rosto é desesperadamente inerte, seus olhos são embaciados, sem brilho, e evitam olhar as pessoas que cuidam deles, são incapazes de se comunicar. Eles recusam todo contato humano, como se isto fosse doloroso para eles. Por causa desta falta de tratamento maternal, o alimento que eles engolem, passa através dos intestinos sem ser digerido. A partir do momento em que uma pessoa afetuosa consegue mostrar a estas crianças que eles podem olhar um rosto caloroso, que eles podem se deixar embalar, abraçar, que podem escutar cantigas cantaroladas para eles, no momento das refeições, param de se arquear e de desviar os olhos. Começam então a ganhar peso e se desenvolver normalmente. Tornam-se então bebês felizes e confiantes. Estas crianças são casos extremos, mas provam que as refeições devem ser acompanhar de mensagens de amor para que respondam às necessidades do bebê. Se o alimento é de uma importância evidente para sobreviver, a qualidade da vida futura do bebê depende também do tratamento maternal dado pelos pais durante as refeições.
Todos os pais gostam que seu bebê tenha prazer em comer, mas talvez eles mesmos tenham seus próprios bloqueios neste campo. As experiências alimentares são impressas em nós a partir da infância. Todos nós temos vivido situações que influenciam nosso comportamento em momentos tão importantes como as refeições. Nossas reações não são conscientemente questionadas, elas estão alicerçadas em velhos esquemas: “Você não sairá da mesa antes de comer seus legumes. Você não crescerá se não tomar leite.” Estes enunciados podem ter tido uma parte de verdade há cinqüenta anos atrás; hoje não têm mais nenhum valor. Com uma cota de vitaminas apropriadas, nenhum legume é vital para a saúde da criança. Os espinafres que faziam o Popeye tão forte não passam de um mito, o mais empoeirado de todos os que atravessaram o tempo. Muitos outros ainda dominam nosso comportamento. Nós nos criamos problemas inúteis, unicamente porque temos uma idéia muito elevada de nossa responsabilidade. Claro, temos a tendência de fazer mais do que o necessário no domínio da alimentação de nossos filhos. Nós continuamos a crer que o trabalho de uma “boa mãe” é fazer seu bebê comer.

Desde que se dão conta do menor problema de alimentação em seus filhos, os pais se vêem face a face com seus próprios “fantasmas”. Eles devem admitir que isto faz parte do desejo de ser um bom pai. Se conseguem se lembrar de suas próprias experiências, evitarão repeti-las. Forçar uma criança a comer é o modo mais seguro de se criar um problema. Se quisermos que a refeição seja um prazer para a criança, é preciso deixar o controle com ela – quanto às escolhas, as recusas, de parar quando ela o desejar.

Pela sua verdadeira natureza, a alimentação é um domínio no qual os pais e o bebê podem resolver os perpétuos conflitos entre dependência (ser alimentado) e independência (se alimentar). Nenhum outro domínio do desenvolvimento é tão sensível a estas oposições. A independência deve ganhar. O modo como as refeições se desenrolam pode mesmo determinar a maneira como uma criança, em crescimento, poderá desenvolver a imagem que tem de si mesma, imagem de uma pessoa competente, aberta, alegre. Poder se expressar no momento das refeições é tão importante para seu desenvolvimento quanto o número de calorias que absorve. Mas isto é difícil de imaginar para pais amorosos. É preciso tentar fazer de cada refeição uma experiência profundamente satisfatória, para que, quando for mais velha, a criança possa saber que alimentar a si mesma produz o mesmo prazer.

A questão do aleitamento pode ser visto sob este prisma. O aleitamento constitui em princípio uma experiência calorosa, íntima, para a mãe e para o bebê. Sabendo-se que o leite materno é perfeitamente adaptado para o bebê – no plano nutritivo, digestivo, alergênico, e como proteção natural contra as infecções – cada mãe deve encará-lo como sendo a melhor escolha. Contudo, se por uma razão ou outra, o aleitamento não convêm à mãe ou se ele se transforma em uma experiência desagradável para o bebê ou para a própria mãe, estas reações devem ser levadas muito a sério. Com efeito, os sentimentos da mãe são transmitidos à criança. Um bebê a quem damos a mamadeira com amor e estreitando-o (jamais o instale para que tome, sozinho, sua mamadeira) se comportará super bem. No início, o bebê deve fixar ele mesmo o horário. No momento em que vocês, seus pais, tentam compreendê-lo, vale mais seguir suas exigências, e aprender pouco a pouco que choro significa que está com fome, e qual quer dizer que está fatigado e aborrecido. No início e no fim de uma crise, é sempre preferível recomeçar a alimentar conforme a demanda. Contudo, desde que você saiba bem aquilo de que o bebê tem necessidade, é possível levá-lo a adotar um horário mais rigoroso. Cada um dos membros da família ficará aliviado de poder contar com horários fixos para as refeições, o sono e o lazer. Por volta das seis semanas, um bebê nascido no tempo certo deve começar a se regular, e as refeições deveriam ser dadas mais ou menos a cada quatro horas. Por volta das doze semanas, ele deveria se contentar com cinco refeições por dia, em horários fixos. Por volta de vinte semanas, a maioria dos bebês necessita apenas de quatro refeições, às 7 horas, meio-dia, 17 horas e 22 horas; em torno de seis, sete meses, refeições (com alimentos sólidos) às 7 horas, meio-dia, 17 horas e leite às 19 horas, e depois a caminho da noite.

Do ponto de vista nutricional, os bebês na realidade não têm necessidade de alimentos sólidos antes dos seis meses. De fato eles não aprendem a os mastigar antes de três meses. Antes desta idade, eles os absorvem como se estivessem mamando. Contudo, por volta dos quatro ou cinco meses, muitos bebês têm necessidade de alimentos sólidos para conseguirem dormir toda a noite ou esperar um tempo maior entre as refeições do dia. Se o seu bebê chegou a esperar quatro horas entre duas refeições, e a dormir 8 horas por noite, e depois volta a exigir alimento a intervalos mais curtos, aconselho você a introduzir alimentação sólida. Apenas o leite não vai mais satisfazer suas necessidades.

Por volta dos oito meses, o bebê estará pronto para utilizar um novo e apaixonante instrumento, a pinça formada pelo polegar e o indicador. Se você der a ele dois ou três pedaços de um alimento bem tenro assentando-o – para que ele os pegue com os dedos, se suje bem com eles, os esmague e finalmente os coloque na boca – você verá que ele ficará absolutamente maravilhado. Ele pode tentar mastigar esses pedaços durante uma hora, porque está tão feliz por segurar com sua mão seu alimento...Ele deixará mesmo que você coloque colheradas de alimento amassado em sua boca enquanto está absorvido em sua nova performance. De fato, se você não a deixa começar a se alimentar sozinha por volta do final de seu primeiro ano de vida, você arrisca criar um problema durante o segundo ano. Com um ano, ele balançará a cabeça, boca fechada, cuspindo o alimento – para dizer muito claramente “Eu quero tornar-me independente comendo sozinho”.

Com um ano o bebê deve então poder se virar sozinho com alimentos cortados em pequenos pedaços. Alimentos tenros que ele possa mastigar com suas gengivas e que poderão ser engolidos facilmente. Mas se são pedaços muito grandes ou muito duros, ele pode sufocar, logo, assegure-se da consistência dos alimentos. É a idade em que o bebê vai começar a recusar alguns alimentos – um mês os legumes, no mês seguinte a carne, depois os ovos. Novamente ele demonstra que tem necessidade de dominar a situação, de poder decidir o que deseja comer. Se você o deixa escolher e recusar durante o segundo ano, você tem todas as chances de evitar os problemas de alimentação. Mas isto significa que não é você quem comanda. É ele que se alimenta. Ele não vai poder se servir de um garfo ou de uma colher antes dos seis meses, ele deve então ser livre para escolher entre os alimentos cortados em pedaços. Dê a ele o que você come, exceto o que é muito duro. Se ele não quiser e insistir em outra coisa, diga-lhe simplesmente: “Você terá isto na próxima refeição”, e não o force a comer aquilo que ele não quer.

As refeições das crianças pequenas são cheias de recusas, oposições, de provocações, tudo isto para tentar encontrar seus limites. No domínio alimentar, claro, ela desejará sempre aquilo que você não preparou. Não se deixe apanhar – é o jogo que conta, e não o que ela tem no prato. Se você deseja se atormentar, entre no seu jogo. Mas será mais fácil se você fixar limites bem estritos com antecedência. Você poderá dizer: “eis o que nós temos para comer. Se você que manteiga de amendoim, eu te darei na próxima refeição”. Ele não a comerá se você lhe der, de qualquer modo...
Os pais suportam mais facilmente estas refeições caprichosas quando se dão conta de que as necessidades nutricionais de uma criança desta idade são muito simples de serem satisfeitas. Existem apenas quatro imperativos:
1. Meio litro de leite ou equivalente (cento e vinte gramas de queijo, ou meio litro de yogurte, etc.)
2. Sessenta gramas de carne ou um ovo. Se a criança os recusa, você pode bater um ovo no seu leite. Ou lhe dar um comprimido de ferro para cobrir suas necessidades.
3. Trinta gramas de suco de laranja ou um pedaço de fruta fresca – para a vitamina C.
4. Comprimidos de multivitaminas que substituirão tudo aquilo que os legumes lhe teriam trazido durante este período de recusas.
Muitos bebês não gostam de legumes durante seu segundo ano de vida. Sua mãe ou sua sogra podem insistir que você não é uma boa mãe se seu filho não tem um “regime equilibrado” com legumes verdes. Eu vi poucas crianças de um ano que os aceitavam – e vi centenas que os recusavam e que se desenvolveram bem a despeito da total falta de legumes em sua alimentação durante mais ou menos um ano. Talvez uma geração de crianças que nós não forçamos a comer legumes vai acabar os exigindo em todas as refeições!
Por volta dos quatro ou cinco anos, se você não fez das refeições um momento de luta sistemática, a criança vai começar a tentar novos alimentos, e a aceitar o famoso “regime bem equilibrado”. Mas sobre o plano nutricional nem sempre é importante – os quatro elementos de base que mencionei acima serão suficientes para suas necessidades durante a primeira infância.
Quanto às boas maneiras à mesa, esqueça-as até os três ou quatro anos. A criança aprenderá tendo você como modelo. Ela não aprenderá nada se você lhe diz sem parar: “Faça isso. Faça aquilo”. Contudo, eu não a deixaria jogar ou estragar não importa que quantidade de alimento sem lhe impor limites estritos. Se a criança recusa sistematicamente, eu lhe daria apenas dois pedaços de cada vez. Se ela se põe a esmagá-los na mesa ou a jogá-los ao redor de si interrompa a refeição. Tire a criança da mesa. Mas não lhe dê guloseimas entre as refeições se você quer que ela aprenda tudo o que se refere a limites.... As guloseimas e os lanches são para as crianças de quatro a cinco anos que já aprenderam a controlar as três refeições do dia.
Os pais orgulhosos de seus talentos culinários – e aqueles que tiveram filhos antes dos trinta a– freqüentemente têm mais dificuldades em suportar que seus pratos sejam recusados. Se você pensa que isto pode vexá-lo ou que você arrisca reagir com muita paixão, valeria mais a pena neutralizar a situação. Se à criança não faltam os elementos indispensáveis enumerados acima, diga-lhe que ela deverá esperar a próxima refeição. Explique claramente que ela sempre poderá recusar o que você lhe propõe, mas que não pode escolher o que quiser em seu lugar. E lembre a ela que você sabe muito bem qual é o seu jogo.

Alimentação e independência
Algumas crianças mais novas parecem ter tendência a “explodir” literalmente – elas se empanturram de manteiga de amendoim ou de alguma outra coisa, durante duas semanas por exemplo. Estes excessos não vão fazer mal a uma criança bem nutrida. Mas podem trair outros problemas: oposição, identificação com amigos, desejo de ver se podem manipular sua família durante as refeições. Tudo isto é comum. Deixe-a ter seu modo de ser pessoal e, se possível, ajude-a a compreender porque ela age assim. E depois espere que fique cansada deste alimento.
Não se apresse para encontrar algum produto para o substituir. Se você o fizer, ela encontrará outra coisa para exigir.

Excesso, hesitações, recusa de certos alimentos, e outras mudanças alimentares são fases absolutamente normais no desenvolvimento de uma criança. Ela tem necessidade de afirmar sua independência diante de sua alimentação. Necessita encontrar sua identidade dentro da família, fazer suas próprias escolhas, e testar os limites de sua tolerância. As refeições serão muito mais agradáveis se você for capaz de compreender e respeitar isto. Mas se você não pode, e se (como muitos de nós) você faz parte dos pais que abandonam ou que ao contrário se enervam diante de uma criança que não come, você pode esperar faíscas às refeições. Seus encorajamentos inteligentes, suas alternativas saborosas, suas chantagens, seus compromissos, poderão fazer de modo que as refeições sejam absorvidas durante algum tempo. O inconveniente é que tudo isto não lhe assegura resultados duradouros, nem que você não terá inevitáveis problemas de alimentação. Alimentar-se sozinho é uma atividade preciosa e apaixonante para uma criança, e deve ser um domínio no qual ela possa exercer sua autonomia. Senão, a refeição torna-se novamente o campo de uma batalha que a criança acaba sempre ganhando – de um modo ou de outro.

Sabendo-se isto, se a sua criança se opõe às exigências indispensáveis que eu sublinhei durante um período de vários meses, talvez seja o momento de procurar ajuda. Se ela não engorda e se seu peso cai abaixo da média, é tempo de buscar um conselho de fora. Seu médico pode indicar ou encontrar a ajuda apropriada, junto a um psicopedagogo, um psiquiatra infantil ou um psicólogo. Como todo problema de origem psíquica afeta o apetite, o médico começará por examinar a criança. Se a criança não tem nenhum problema médico, um terapeuta poderá compreender o que se passa com ela e ajudará a ambos, pais e filho, a superar a própria parte dos pais do problema. Não se desespere, mas não espere muito tempo.

(Foto: Pablo Quaglia)

Nenhum comentário:

Postar um comentário