Texto extraído do livro “Points Forts” do Dr. T.Berry Brazelton.
Traduzido para o CLIC por Anna M.M.Gontijo.
No decorrer das visitas de rotina, em certos estágios do desenvolvimento da criança, posso esperar uma pergunta: “Qual é o momento mais favorável para uma nova gravidez?” Estes períodos correspondem às primeiras manifestações de independência da criança. Depois do período inicial de adaptação ao bebê, e uma vez terminados os primeiros meses de noites em claro e de dias sem horário, os jovens pais começam a viver dentro de uma pura euforia de amor. Cada vez que olham seu bebê de quatro meses, este lhes sorri com adoração. Uma vocalização por parte dos pais provoca um suspiro de emoção no bebê. O bebê se enrosca em todos os sentidos para tentar se comunicar com seus pais totalmente devotados e onipresentes. Raros são os momentos da vida que possuem tanto charme quanto estes minutos de recíproca atenção com uma criança que se comunica e se exprime através de balbucios. Os pais se sentem competentes, controlam perfeitamente seu próprio mundo. Mas é difícil ficar mergulhado de corpo e alma num grande amor sem sentir o medo latente de que cedo ou tarde haverá um fim. Nesta nossa sociedade calvinista, estamos marcados pela consciência de dever pagar um dia ou outro pelos nossos prazeres.
Considerando a possibilidade de um segundo filho
Como que sobre comando, as mães de crianças de cinco meses me dizem: “Agora, ele cresceu, quando deveria me decidir a ter um outro?” A hesitação em renunciar ao absoluto para o primeiro bebê está contida no “deveria eu”, que indica uma espécie de dever ou de penitência – o preço a pagar por um tão delicioso amor. Se olharmos para o bebê, a questão parece chegar inesperadamente em um momento impróprio. Ele é roliço, doce e cheio de covinhas. Deitado sobre a mesa de exame, observa com atenção a sala, uma expressão séria no rosto enquanto passa em revista cada objeto novo. Não passa um minuto sem que lance um olhar sobre sua mãe ou seu pai que, debruçados sobre a mesa perto dele, conversam comigo. Quando ele olha para seus pais, estes o olham por sua vez, com um ar tranquilizador. Então o rosto do bebê se alegra, seus olhos adoçam, e ele sorri com gratidão, gesticulando com os braços e pernas, agradecendo-lhes com todo seu corpo. Em seguida retorna ao seu trabalho de informação sobre tudo que há neste lugar estranho. Os pais voltam ao seu trabalho de comunicação comigo.
Durante este momento, fui testemunha de um exemplo da profundidade deste apego mútuo. Cada um deles sentiu uma baforada de afeição, e cada um reconheceu no mais profundo de si a importância da presença do outro. O bebê disse com seus olhos: “ Vocês são a minha âncora, minha tábua de salvação, e eu só posso me permitir ficar num lugar tão estranho e excitante como este porque posso vê-los, porque sei que vocês estão aqui!” Os pais tiveram a oportunidade de sentir a profundidade de sua importância para este novo pequeno ser. Não é espantoso que neste exato momento um dos presentes pergunte: “E se nós tivéssemos um outro bebê? O que o Sr. pensa disto?” Ou ainda, que uma mãe que amamenta diga: “Quando devo desmamá-lo?” Se eu abordo francamente a questão com os pais, torna-se rapidamente evidente que eles ainda não desejam um outro bebê e que a mãe não deseja verdadeiramente parar de amamentar. Mas suas perguntas os ajudam a se resguardar de um excesso, no seu amor, no modo de se ocupar desta criança e a trazer para dentro dos limites da razão um apego que os ultrapassa.
Como vimos no cap. 6, o bebê de quatro ou cinco meses manifesta suas primeiras veleidades de independência. Ele interrompe cada vez mais suas refeições – para olhar em torno de si, para escutar o barulho de uma porta que se fecha, para fazer pequenos balbucios em intenção de sua mãe ou para dar sorrisos luminosos para seu pai. Para a mãe, é sinal de que o bebê não tem mais tanta necessidade dela. Para o bebê, este comportamento demonstra uma tomada de consciência das coisas e das pessoas que o cercam. Para os pais totalmente ocupados com seu bebê, é uma lembrança do que deve acontecer, de um futuro em que a criança vai efetivamente tornar-se independente deles.
Para as mães que amamentam, é também um período de vulnerabilidade física no domínio da concepção. Já vi muitos casos de uma segunda gravidez não prevista acontecer neste momento, a mãe pensando que estava protegida pela lactação, e sendo incapaz de conhecer o momento de sua ovulação antes da volta da menstruação. Se a mãe não toma precauções, ela pode engravidar antes de estar preparada para se separar um pouco do primeiro bebê.
Ter duas crianças com menos de quatorze a dezoito meses de diferença é o mesmo que ter gêmeos de idades um pouco diferentes. Certamente podemos educá-los com sucesso, e mesmo ter momentos de prazer, mas isto representa um trabalho difícil enquanto eles são pequenos. Duas crianças de idades diferentes, ambos altamente dependentes, exigem muito no plano físico e emocional. O perigo, para os bebês, é que uma mãe exausta tenderá a fazer as coisas de um modo global. Ela poderá ou bem tratá-los como se tivessem a mesma idade, ou empurrar o mais velho a crescer muito rápido. Efetivamente, quando o mais velho manifesta sua oposição agindo exatamente como o bebê, a mãe, contrariada pelas exigências às quais está submetida, é levada a colocar muita responsabilidade sobre o mais velho.
Ao considerar a possibilidade de ter uma segunda criança, os pais deveriam tentar levar em consideração seu nível de energia e de tolerância. Suas próprias razões de aproximar ou não os nascimentos podem ser as melhores. Uma mãe, que deseja constituir rapidamente sua família para retomar o trabalho, arrisca ficar infeliz se ela se sente obrigada a ficar muito tempo em casa e de faz seus parentes “pagarem” por isto. Os pais que pensam ter necessidade de tempo entre cada criança para assegurar sua posição financeira, podem também se sentir incapazes de assumir a responsabilidade de mais de uma criança de cada vez. O problema, para a maioria dos pais, é que eles não se dão conta do potencial de resistência e de tolerância de que eles dispõem.
Alguns conselhos sobre o planejamento dos nascimentos
Segundo minha própria experiência, existem algumas linhas diretrizes que podem ajudar as famílias jovens que tentam programar as coisas inteligentemente.
Inicialmente, preveja que será difícil renunciar às intensas relações, mutuamente gratificantes, que vocês têm com seu primogênito. É tão difícil para o bebê quanto para os pais. Se vocês se derem o tempo de sentir que verdadeiramente fizeram tudo que lhes era possível por ele, as coisas se tornam mais fáceis. Em outras palavras, se vocês têm a impressão de que se consagraram verdadeira e inteiramente ao seu primeiro bebê e que ele adquiriu uma sólida independência, será mais fácil “compartilhá-lo” com o seguinte. O recém-nascido vai inevitavelmente exigir tempo e energia no plano emocional. Quase inevitavelmente, a mãe vai incentivar o mais velho a crescer rapidamente no momento do nascimento do segundo. Nas culturas tradicionais, encontramos freqüentemente um ritual, associado à servidão do mais velho, quando a mãe espera uma outra criança. Esta última dá abertamente a responsabilidade do mais velho a um outro membro da família – avó, tia ou criança mais velha. Através deste gesto simbólico, ela diz: “Agora, eu devo virar as costas para você para poder me consagrar ao novo bebê”. Embora seja freqüentemente efetuado de um modo brusco, vi com meus próprios olhos a angústia que a mãe reprime no momento em que renuncia a seu filho. Mas, sabendo-se de suas pesadas responsabilidades, ela sabe que deve se forçar a “virar as costas” sob pena de não ter suficiente energia para se ocupar de um novo bebê.
Uma outra coisa a ser levada em consideração, prevendo uma segunda criança, é o período de manifestação normal, mas intensa, de independência e de oposição da criança que começa a andar. No início do segundo ano de vida, uma criança tem necessidade de tempo para fazer suas coisas. Ela quer verdadeiramente se tornar independente? Ela quer dizer “não” quando o repete com tanta força, ou quereria ela na realidade dizer “sim”? depois de um ataque de raiva terrível, que a deixa ofegante, que, exceto seus pais, pode ajudá-la a encontrar seus limites, e que pode lhe dar novamente a energia para continuar a procurar seus meios de se tornar uma pessoa independente?
Se os pais não estão disponíveis e não compreendem que esta luta pela independência é apaixonante e importante, eles vão – assim como seu bebê – sentir stress e frustração durante todo o segundo ano de vida do bebê. Antes de ver neste ano um período rico em ensinamentos e experiências, eles podem perder o senso de humor do qual eles teriam muita necessidade para retroceder um pouco. O ideal, então, seria que os pais programassem ter um segundo bebê depois que as perturbações deste segundo ano estejam em parte acalmadas.
Os pais que pensam espaçar os nascimentos de seus filhos de dois anos e meio a três anos se perguntam se as crianças não estariam muito distantes para se tornarem amigas quando forem um pouco maiores. Minha experiência pessoal me deu o sentimento de que, se os pais estão satisfeitos com a diferença de idade, as crianças serão mais amigas. Se os pais ficam estressados por ter crianças com idades muito próximas, estas passarão a maior parte de sua infância a sentir ciúmes um do outro e a se rivalizar. Pois, como o vimos no cap. 36 sobre a rivalidade entre irmãos e irmãs, estas brigas são dirigidas aos pais. As crianças são ciumentas, é inevitável, e resolvem seus problemas de compensação sozinhas se os pais não se intrometem. Assim que os pais têm a impressão de que não são eqüitativos, eles se envolvem e os sentimentos de ciúmes são reforçados. Em outras palavras, valeria mais à pena planejar os nascimentos não para agradar às crianças, mas para levando em consideração o potencial de energia dos pais.
Como ajudar seu filho a se adaptar a um bebê
Por volta dos dois anos dois anos e meio, a maioria das crianças está fundamentalmente independente. A mobilidade foi adquirida, as brincadeiras são variadas e podem se desenrolar com toda a liberdade, as crianças devem ter adquirido hábitos de autonomia no domínio da alimentação e do sono, e muitos deles começam a querer deixar as fraldas. Além do mais, por volta dos dois anos, as crianças estão prontas para brincar em grupo com outras crianças da mesma idade. Estas ocasiões de brincadeiras em grupo podem ser para elas o “ponto alto” de sua semana. Nos grupos elas se ensinam mutuamente mil coisas, se permitem suas tensões e experimentam seus comportamentos de oposição, o que prova bem a que ponto as crianças da mesma idade estão disponíveis umas para as outras. Isto significa que os pais podem organizar seções de jogos regulares com a ajuda de outros pais, ou que podem sem medo, colocar suas crianças em uma creche ou escola. Isto será proveitoso tanto para a criança quanto para os pais que ficarão então disponíveis para um novo bebê. Espaçar as crianças de dois ou três anos pode então ser voltado em favor do bem estar de cada um dos membros da família.
Por volta dos quatro ou cinco anos, a criança pode estar pronta para participar dos cuidados com o bebê. Uma criança mais velha pode ter o sentimento de que o bebê lhe pertence. Ela é capaz de aprender a alimentá-lo, a segurá-lo e o embalar, a trocá-lo, a consolá-lo e a brincar com ele. Uma vez que a criança tenha se dado conta de que o bebê não tem a sua idade e não pode participar de suas brincadeiras, como tinha esperado, e que tenha superado sua decepção, ela pode se associar a seus pais no jogo que consiste em descobrir o recém-nascido, a observar cada um de seus progressos.
Eu me lembro de uma criança de cinco anos que entrou em meu consultório exclamando: “Dr. B., você tem de ver meu bebê andar! Ele não cai mais de jeito nenhum!” Com estas palavras ele se precipitou para seu irmãozinho de onze meses e lhe estendeu a mão. Este deu um enorme sorriso diante desta atenção por parte de seu herói. Tomou sua mão com prontidão e reconhecimento para se por de pé. Quase sem hesitação, firmemente agarrado ao braço de seu irmão mais velho, atravessou a sala cambaleando. Retardando o passo para conduzir seu irmãozinho, o menino maior não cabia em si de alegria: “Olhe, olhe!” Contemplando este charmoso exemplo de um primogênito que não apenas ensinava a um bebê a andar, mas ainda lhe transmitia a paixão de aprender, eu pensava em mim mesmo: não seria esta uma oportunidade para o caçula abordar assim o lado apaixonante da vida? Estes irmãos se instruíam mutuamente, mas descobriam também o que significa ser profundamente dependente um do outro.
Aos quatro e cinco anos, a criança está naturalmente pronta para se ocupar do irmão menor e para lhe ensinar o que já sabe. Margaret Mead me disse um dia que uma das mais sérias faltas de nossa cultura é que as crianças entre quatro e sete anos raramente têm a oportunidade de se ocupar de crianças menores que elas. Ela me fez notar que, na maior parte das outras culturas do mundo, os irmãos mais velhos são responsáveis pelos mais novos. Deste modo aprendem a arte da maternidade e ficam mais bem preparados quando chegar sua hora de serem pais.
Uma distância de muitos anos entre crianças propicia automaticamente este gênero de experiência ao mais velho. Quanto ao caçula, a possibilidade de seguir o exemplo de seu irmão mais velho é uma verdadeira sorte. Nosso filho caçula aprendeu a maioria de suas aptidões, inclusive o senso de seus próprios valores, a partir do ensinamento atento e paciente de suas irmãs mais velhas. A avidez dos mais novos para aprender o que sabem os mais velhos repousa sobre uma espécie de adoração cega. A situação é completamente diferente, muito mais pesada, quando são os pais que ensinam as mesmas coisas. Sempre fiquei tocado pelo olhar ardente, apaixonado com o qual os bebês ou crianças novas observam uma mais velha. E fico estupefato ao constatar a rapidez com a qual uma criança imita a mais velha quando esta pára um instante para lhe mostrar como se faz alguma coisa nova.
Quando você espera um bebê, prepare o mais velho para as modificações que sua relação com ele vai sofrer: intrusão, separação. Deixe-o participar de sua gravidez, e dê a ele sem demora a oportunidade de se identificar com você enquanto responsável pelo bebê. No lugar de o afastar para “proteger o bebê”, ensine a ele a ser terno e suave, diga-lhe como segurá-lo, como embalá-lo e como alimentar o bebê.
Depois que o recém-nascido está em casa e que muitas coisas vão exigir seu tempo e sua energia, faça de modo a reservar um momento de conversa a sós com seu filho mais velho, longe do bebê. Cada “grande” merece que sua mãe e seu pai lhes consagrem um pouco de tempo em particular. A duração destes momentos importa menos do que o fato, para a criança, de poder contar com este tempo e de ter uma conversa a sós com seus pais. Uma hora por semana, por criança e para cada pai, pode representar um verdadeiro tesouro para o futuro de suas relações. Eu insisto no fato de que esta hora é inteiramente para a criança sozinha, e que ela deve decidir como empregá-la. É preciso falar com ela também durante o resto da semana – “Eu não tenho tempo agora, porque devo terminar de alimentar o bebê, mas lembre-se de que nós teremos nosso momento só nosso mais tarde. E então eu serei só sua, (sem o bebê) porque você é meu primeiro bebê e eu te amo, é claro.”
Afirmar a individualidade das crianças
Uma outra questão pode perturbá-los, se vocês têm mais de uma criança, é de se darem conta de que não experimentam os mesmos sentimentos diante de cada criança. Sem o desejar, os pais talvez tenham uma atitude protetora com relação ao bebê e empurrem o mais velho a crescer. Algumas vezes fazem pressão sobre uma filha para que seja responsável, ou sobre um filho para que seja arrojado. Eles podem sonhar coisas diferentes para cada um deles. Estes sentimentos os contrariam; eles se sentem culpados. Penso que estão errados. Os pais não devem se esperar ter os mesmos sentimentos para cada um dos filhos. Efetivamente, cada um provocará fatalmente em vocês reações diferentes que são provenientes de experiências passadas inconscientes. “Ela é exatamente como minha irmã que é tão brilhante”, ou: “É uma força da natureza, como meu irmão”, são reações normais. Se as reconhecemos honestamente, elas podem mesmo ser de proveito para a criança. Mas se são camufladas, todo desvio destas imagens vai causar uma decepção aos pais e perturbar a criança. Qualquer que seja a diferença de idade, grande ou pequena, quaisquer que sejam as diferenças de caráter, as crianças merecem ser consideradas como seres competentes e dignos de amor.
Como que sobre comando, as mães de crianças de cinco meses me dizem: “Agora, ele cresceu, quando deveria me decidir a ter um outro?” A hesitação em renunciar ao absoluto para o primeiro bebê está contida no “deveria eu”, que indica uma espécie de dever ou de penitência – o preço a pagar por um tão delicioso amor. Se olharmos para o bebê, a questão parece chegar inesperadamente em um momento impróprio. Ele é roliço, doce e cheio de covinhas. Deitado sobre a mesa de exame, observa com atenção a sala, uma expressão séria no rosto enquanto passa em revista cada objeto novo. Não passa um minuto sem que lance um olhar sobre sua mãe ou seu pai que, debruçados sobre a mesa perto dele, conversam comigo. Quando ele olha para seus pais, estes o olham por sua vez, com um ar tranquilizador. Então o rosto do bebê se alegra, seus olhos adoçam, e ele sorri com gratidão, gesticulando com os braços e pernas, agradecendo-lhes com todo seu corpo. Em seguida retorna ao seu trabalho de informação sobre tudo que há neste lugar estranho. Os pais voltam ao seu trabalho de comunicação comigo.
Durante este momento, fui testemunha de um exemplo da profundidade deste apego mútuo. Cada um deles sentiu uma baforada de afeição, e cada um reconheceu no mais profundo de si a importância da presença do outro. O bebê disse com seus olhos: “ Vocês são a minha âncora, minha tábua de salvação, e eu só posso me permitir ficar num lugar tão estranho e excitante como este porque posso vê-los, porque sei que vocês estão aqui!” Os pais tiveram a oportunidade de sentir a profundidade de sua importância para este novo pequeno ser. Não é espantoso que neste exato momento um dos presentes pergunte: “E se nós tivéssemos um outro bebê? O que o Sr. pensa disto?” Ou ainda, que uma mãe que amamenta diga: “Quando devo desmamá-lo?” Se eu abordo francamente a questão com os pais, torna-se rapidamente evidente que eles ainda não desejam um outro bebê e que a mãe não deseja verdadeiramente parar de amamentar. Mas suas perguntas os ajudam a se resguardar de um excesso, no seu amor, no modo de se ocupar desta criança e a trazer para dentro dos limites da razão um apego que os ultrapassa.
Como vimos no cap. 6, o bebê de quatro ou cinco meses manifesta suas primeiras veleidades de independência. Ele interrompe cada vez mais suas refeições – para olhar em torno de si, para escutar o barulho de uma porta que se fecha, para fazer pequenos balbucios em intenção de sua mãe ou para dar sorrisos luminosos para seu pai. Para a mãe, é sinal de que o bebê não tem mais tanta necessidade dela. Para o bebê, este comportamento demonstra uma tomada de consciência das coisas e das pessoas que o cercam. Para os pais totalmente ocupados com seu bebê, é uma lembrança do que deve acontecer, de um futuro em que a criança vai efetivamente tornar-se independente deles.
Para as mães que amamentam, é também um período de vulnerabilidade física no domínio da concepção. Já vi muitos casos de uma segunda gravidez não prevista acontecer neste momento, a mãe pensando que estava protegida pela lactação, e sendo incapaz de conhecer o momento de sua ovulação antes da volta da menstruação. Se a mãe não toma precauções, ela pode engravidar antes de estar preparada para se separar um pouco do primeiro bebê.
Ter duas crianças com menos de quatorze a dezoito meses de diferença é o mesmo que ter gêmeos de idades um pouco diferentes. Certamente podemos educá-los com sucesso, e mesmo ter momentos de prazer, mas isto representa um trabalho difícil enquanto eles são pequenos. Duas crianças de idades diferentes, ambos altamente dependentes, exigem muito no plano físico e emocional. O perigo, para os bebês, é que uma mãe exausta tenderá a fazer as coisas de um modo global. Ela poderá ou bem tratá-los como se tivessem a mesma idade, ou empurrar o mais velho a crescer muito rápido. Efetivamente, quando o mais velho manifesta sua oposição agindo exatamente como o bebê, a mãe, contrariada pelas exigências às quais está submetida, é levada a colocar muita responsabilidade sobre o mais velho.
Ao considerar a possibilidade de ter uma segunda criança, os pais deveriam tentar levar em consideração seu nível de energia e de tolerância. Suas próprias razões de aproximar ou não os nascimentos podem ser as melhores. Uma mãe, que deseja constituir rapidamente sua família para retomar o trabalho, arrisca ficar infeliz se ela se sente obrigada a ficar muito tempo em casa e de faz seus parentes “pagarem” por isto. Os pais que pensam ter necessidade de tempo entre cada criança para assegurar sua posição financeira, podem também se sentir incapazes de assumir a responsabilidade de mais de uma criança de cada vez. O problema, para a maioria dos pais, é que eles não se dão conta do potencial de resistência e de tolerância de que eles dispõem.
Alguns conselhos sobre o planejamento dos nascimentos
Segundo minha própria experiência, existem algumas linhas diretrizes que podem ajudar as famílias jovens que tentam programar as coisas inteligentemente.
Inicialmente, preveja que será difícil renunciar às intensas relações, mutuamente gratificantes, que vocês têm com seu primogênito. É tão difícil para o bebê quanto para os pais. Se vocês se derem o tempo de sentir que verdadeiramente fizeram tudo que lhes era possível por ele, as coisas se tornam mais fáceis. Em outras palavras, se vocês têm a impressão de que se consagraram verdadeira e inteiramente ao seu primeiro bebê e que ele adquiriu uma sólida independência, será mais fácil “compartilhá-lo” com o seguinte. O recém-nascido vai inevitavelmente exigir tempo e energia no plano emocional. Quase inevitavelmente, a mãe vai incentivar o mais velho a crescer rapidamente no momento do nascimento do segundo. Nas culturas tradicionais, encontramos freqüentemente um ritual, associado à servidão do mais velho, quando a mãe espera uma outra criança. Esta última dá abertamente a responsabilidade do mais velho a um outro membro da família – avó, tia ou criança mais velha. Através deste gesto simbólico, ela diz: “Agora, eu devo virar as costas para você para poder me consagrar ao novo bebê”. Embora seja freqüentemente efetuado de um modo brusco, vi com meus próprios olhos a angústia que a mãe reprime no momento em que renuncia a seu filho. Mas, sabendo-se de suas pesadas responsabilidades, ela sabe que deve se forçar a “virar as costas” sob pena de não ter suficiente energia para se ocupar de um novo bebê.
Uma outra coisa a ser levada em consideração, prevendo uma segunda criança, é o período de manifestação normal, mas intensa, de independência e de oposição da criança que começa a andar. No início do segundo ano de vida, uma criança tem necessidade de tempo para fazer suas coisas. Ela quer verdadeiramente se tornar independente? Ela quer dizer “não” quando o repete com tanta força, ou quereria ela na realidade dizer “sim”? depois de um ataque de raiva terrível, que a deixa ofegante, que, exceto seus pais, pode ajudá-la a encontrar seus limites, e que pode lhe dar novamente a energia para continuar a procurar seus meios de se tornar uma pessoa independente?
Se os pais não estão disponíveis e não compreendem que esta luta pela independência é apaixonante e importante, eles vão – assim como seu bebê – sentir stress e frustração durante todo o segundo ano de vida do bebê. Antes de ver neste ano um período rico em ensinamentos e experiências, eles podem perder o senso de humor do qual eles teriam muita necessidade para retroceder um pouco. O ideal, então, seria que os pais programassem ter um segundo bebê depois que as perturbações deste segundo ano estejam em parte acalmadas.
Os pais que pensam espaçar os nascimentos de seus filhos de dois anos e meio a três anos se perguntam se as crianças não estariam muito distantes para se tornarem amigas quando forem um pouco maiores. Minha experiência pessoal me deu o sentimento de que, se os pais estão satisfeitos com a diferença de idade, as crianças serão mais amigas. Se os pais ficam estressados por ter crianças com idades muito próximas, estas passarão a maior parte de sua infância a sentir ciúmes um do outro e a se rivalizar. Pois, como o vimos no cap. 36 sobre a rivalidade entre irmãos e irmãs, estas brigas são dirigidas aos pais. As crianças são ciumentas, é inevitável, e resolvem seus problemas de compensação sozinhas se os pais não se intrometem. Assim que os pais têm a impressão de que não são eqüitativos, eles se envolvem e os sentimentos de ciúmes são reforçados. Em outras palavras, valeria mais à pena planejar os nascimentos não para agradar às crianças, mas para levando em consideração o potencial de energia dos pais.
Como ajudar seu filho a se adaptar a um bebê
Por volta dos dois anos dois anos e meio, a maioria das crianças está fundamentalmente independente. A mobilidade foi adquirida, as brincadeiras são variadas e podem se desenrolar com toda a liberdade, as crianças devem ter adquirido hábitos de autonomia no domínio da alimentação e do sono, e muitos deles começam a querer deixar as fraldas. Além do mais, por volta dos dois anos, as crianças estão prontas para brincar em grupo com outras crianças da mesma idade. Estas ocasiões de brincadeiras em grupo podem ser para elas o “ponto alto” de sua semana. Nos grupos elas se ensinam mutuamente mil coisas, se permitem suas tensões e experimentam seus comportamentos de oposição, o que prova bem a que ponto as crianças da mesma idade estão disponíveis umas para as outras. Isto significa que os pais podem organizar seções de jogos regulares com a ajuda de outros pais, ou que podem sem medo, colocar suas crianças em uma creche ou escola. Isto será proveitoso tanto para a criança quanto para os pais que ficarão então disponíveis para um novo bebê. Espaçar as crianças de dois ou três anos pode então ser voltado em favor do bem estar de cada um dos membros da família.
Por volta dos quatro ou cinco anos, a criança pode estar pronta para participar dos cuidados com o bebê. Uma criança mais velha pode ter o sentimento de que o bebê lhe pertence. Ela é capaz de aprender a alimentá-lo, a segurá-lo e o embalar, a trocá-lo, a consolá-lo e a brincar com ele. Uma vez que a criança tenha se dado conta de que o bebê não tem a sua idade e não pode participar de suas brincadeiras, como tinha esperado, e que tenha superado sua decepção, ela pode se associar a seus pais no jogo que consiste em descobrir o recém-nascido, a observar cada um de seus progressos.
Eu me lembro de uma criança de cinco anos que entrou em meu consultório exclamando: “Dr. B., você tem de ver meu bebê andar! Ele não cai mais de jeito nenhum!” Com estas palavras ele se precipitou para seu irmãozinho de onze meses e lhe estendeu a mão. Este deu um enorme sorriso diante desta atenção por parte de seu herói. Tomou sua mão com prontidão e reconhecimento para se por de pé. Quase sem hesitação, firmemente agarrado ao braço de seu irmão mais velho, atravessou a sala cambaleando. Retardando o passo para conduzir seu irmãozinho, o menino maior não cabia em si de alegria: “Olhe, olhe!” Contemplando este charmoso exemplo de um primogênito que não apenas ensinava a um bebê a andar, mas ainda lhe transmitia a paixão de aprender, eu pensava em mim mesmo: não seria esta uma oportunidade para o caçula abordar assim o lado apaixonante da vida? Estes irmãos se instruíam mutuamente, mas descobriam também o que significa ser profundamente dependente um do outro.
Aos quatro e cinco anos, a criança está naturalmente pronta para se ocupar do irmão menor e para lhe ensinar o que já sabe. Margaret Mead me disse um dia que uma das mais sérias faltas de nossa cultura é que as crianças entre quatro e sete anos raramente têm a oportunidade de se ocupar de crianças menores que elas. Ela me fez notar que, na maior parte das outras culturas do mundo, os irmãos mais velhos são responsáveis pelos mais novos. Deste modo aprendem a arte da maternidade e ficam mais bem preparados quando chegar sua hora de serem pais.
Uma distância de muitos anos entre crianças propicia automaticamente este gênero de experiência ao mais velho. Quanto ao caçula, a possibilidade de seguir o exemplo de seu irmão mais velho é uma verdadeira sorte. Nosso filho caçula aprendeu a maioria de suas aptidões, inclusive o senso de seus próprios valores, a partir do ensinamento atento e paciente de suas irmãs mais velhas. A avidez dos mais novos para aprender o que sabem os mais velhos repousa sobre uma espécie de adoração cega. A situação é completamente diferente, muito mais pesada, quando são os pais que ensinam as mesmas coisas. Sempre fiquei tocado pelo olhar ardente, apaixonado com o qual os bebês ou crianças novas observam uma mais velha. E fico estupefato ao constatar a rapidez com a qual uma criança imita a mais velha quando esta pára um instante para lhe mostrar como se faz alguma coisa nova.
Quando você espera um bebê, prepare o mais velho para as modificações que sua relação com ele vai sofrer: intrusão, separação. Deixe-o participar de sua gravidez, e dê a ele sem demora a oportunidade de se identificar com você enquanto responsável pelo bebê. No lugar de o afastar para “proteger o bebê”, ensine a ele a ser terno e suave, diga-lhe como segurá-lo, como embalá-lo e como alimentar o bebê.
Depois que o recém-nascido está em casa e que muitas coisas vão exigir seu tempo e sua energia, faça de modo a reservar um momento de conversa a sós com seu filho mais velho, longe do bebê. Cada “grande” merece que sua mãe e seu pai lhes consagrem um pouco de tempo em particular. A duração destes momentos importa menos do que o fato, para a criança, de poder contar com este tempo e de ter uma conversa a sós com seus pais. Uma hora por semana, por criança e para cada pai, pode representar um verdadeiro tesouro para o futuro de suas relações. Eu insisto no fato de que esta hora é inteiramente para a criança sozinha, e que ela deve decidir como empregá-la. É preciso falar com ela também durante o resto da semana – “Eu não tenho tempo agora, porque devo terminar de alimentar o bebê, mas lembre-se de que nós teremos nosso momento só nosso mais tarde. E então eu serei só sua, (sem o bebê) porque você é meu primeiro bebê e eu te amo, é claro.”
Afirmar a individualidade das crianças
Uma outra questão pode perturbá-los, se vocês têm mais de uma criança, é de se darem conta de que não experimentam os mesmos sentimentos diante de cada criança. Sem o desejar, os pais talvez tenham uma atitude protetora com relação ao bebê e empurrem o mais velho a crescer. Algumas vezes fazem pressão sobre uma filha para que seja responsável, ou sobre um filho para que seja arrojado. Eles podem sonhar coisas diferentes para cada um deles. Estes sentimentos os contrariam; eles se sentem culpados. Penso que estão errados. Os pais não devem se esperar ter os mesmos sentimentos para cada um dos filhos. Efetivamente, cada um provocará fatalmente em vocês reações diferentes que são provenientes de experiências passadas inconscientes. “Ela é exatamente como minha irmã que é tão brilhante”, ou: “É uma força da natureza, como meu irmão”, são reações normais. Se as reconhecemos honestamente, elas podem mesmo ser de proveito para a criança. Mas se são camufladas, todo desvio destas imagens vai causar uma decepção aos pais e perturbar a criança. Qualquer que seja a diferença de idade, grande ou pequena, quaisquer que sejam as diferenças de caráter, as crianças merecem ser consideradas como seres competentes e dignos de amor.